Uma exposição de Gabriela Albergaria e Leonor Antunes convida à (re)descoberta do edifício do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, em Paris, onde o magnata arménio alojou a sua colecção de arte antes de a instalar em Portugal.
Para a intervenção das duas artistas portuguesas radicadas em Berlim, foram abertas janelas, desimpedidos corredores, removidos móveis e cortinados e limpas salas até hoje fechadas ao público, mostrando melhor o palácio construído no fim do século XIX.
Esta "transparência" do Centro foi o primeiro passo para uma reflexão sobre "a casa, a colecção e o coleccionador" proposta pela comissária da exposição, Rita Fabiana, que queria um trabalho "da realidade formal do lugar, mas também da sua memória".
Foi a partir de fotografias e descrições de como era o palácio no final dos anos 1920, reconstruído por Calouste Gulbenkian para receber a sua colecção de arte, que surgiu depois a inspiração às duas artistas.
Através de citações retiradas de uma monografia de Jean-Luc Bauduin e inscritas discretamente nas paredes de pedra, Gabriela Albergaria conseguiu "criar percursos" dentro do Centro e fazer o visitante descobrir o edifício actual, imaginando o que ele era no passado.
Neste roteiro é possível ver num pátio interior três vasos em ferro, até agora esquecidos e que outrora fizeram parte de uma fonte do luxuoso jardim que Gulbenkian fez construir no palácio, ou a marca numa parede onde estava encostada a escultura de Houdon, Diana - hoje exposta no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
"Quis que a casa fosse a protagonista e que as pessoas usufruíssem da casa", disse a artista natural de Vale de Cambra, que no primeiro andar do Centro "reconstruiu" uma árvore para simbolizar o gosto de Gulbenkian pelos jardins.
Menos discreto, o trabalho de Leonor Antunes encontra-se na entrada da exposição, para a qual realizou propositadamente duas peças que fazem referência a dois tapetes persas que antes ocupavam o chão das primeiras salas do palácio.
Usando tubos de cobre para simbolizar um dos tapetes (enrolado), hoje no depósito do Museu em Lisboa, a artista remonta às origens destes objectos que, antes de serem decorativos, eram "usados pelos povos nómadas para aquecer as casas e podiam ser facilmente enrolados e transportados".
"O cobre faz também a relação com a temperatura e a cor do tapete", revela Leonor Antunes, que usou madeira balsa, borracha e elásticos para construir dezenas de octaedros, "padronizando o padrão" do segundo tapete.
A exposição intitulada "51, avenue d`Iéna", morada do edifício, inclui ainda quatro enigmáticas caixas de transporte de obras de arte.
Estas fazem parte de uma ideia de Gabriela Albergaria, que descobriu que o Museu Gulbenkian, em Lisboa, e o Museu de Provence, em Grasse, possuem cada um dois baixos-relevos de André Brenet de uma série sobre as "Quatro Estações".
A artista lançou assim uma proposta de troca de cópias para que ambas as instituições possam expor o conjunto, sendo as caixas destinadas a esta troca.
Embora esta não seja a primeira exposição realizada pelo Centro Cultural Calouste Gulbenkian com artistas portugueses, diferencia-se por ter sido realizada especificamente para este espaço.
Apesar de estar anunciada uma mudança de instalações e de organização das actividades, o seu director, João Pedro Garcia, recusa que aquela seja "um epitáfio do Centro", considerando-a antes uma "valorização da casa".
O responsável afirma que esta exposição resulta de uma colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, cujas relações quer estreitar na realização das actividades do Centro em Paris para "aproveitar ao máximo as potencialidades".
Declarou ainda que foi feito um "maior esforço de comunicação" com jornalistas especializados e profissionais do sector das artes em França para chegar a novos públicos, que revelou ter tido alguns frutos ao nível das visitas.
"A nossa prioridade é a realização de parcerias com franceses", sublinha.
A exposição "51, avenue d`Iéna" permanece em exibição até 30 de Março.