Eventual classificação de obra de José Afonso requer novo procedimento fundamentado - MMP
processo de classificação da obra fonográfica do músico José Afonso que caducou não poderá ser reaberto e terá de ser criado novo procedimento fundamentado, revelou à agência Lusa a Museus e Monumentos de Portugal (MMP).
Num esclarecimento a questões colocadas pela Lusa, a empresa pública MMP explicou que "o processo caducado não poderá ser reativado ou reaberto" e que a decisão de uma eventual abertura de um novo procedimento de classificação necessita de uma fundamentação.
"Estando em causa obras protegidas pelo direito de autor, a sua classificação dependerá sempre de autorização prévia dos titulares dos respetivos direitos", explicou.
Sobre este procedimento de classificação, a empresa pública refere que irá ainda "publicar o arquivamento do processo, para conhecimento público".
Questionada sobre o assunto, em Vila Real, a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, disse hoje desconhecer o ponto de situação do processo, mas garantiu levar a pergunta para o seu gabinete.
"Não lhe sei dizer com clareza qual é o ponto de situação relativamente à obra fonográfica do Zeca Afonso, mas vou levar já a pergunta diretamente para o meu gabinete", afirmou Dalila Rodrigues, depois de questionada sobre se o Governo vai retomar o processo de classificação.
A ministra falava aos jornalistas em Vila Real, onde se reuniu com a companhia Filandorra -- Teatro do Nordeste.
Em causa está um processo, aberto em setembro de 2020 pela então Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), para classificar várias gravações de José Afonso (1929-1987) como um "conjunto de bens móveis de interesse nacional".
O processo abrangia a classificação de 30 fonogramas da autoria de José Afonso, 18 cópias digitais de `masters` de produção, cassetes gravadas pelo autor e gravações de entrevistas, segundo o anúncio publicado em Diário da República a 02 de setembro de 2020.
Trata-se de material "cuja proteção e valorização representam valor cultural de significado para a nação", lê-se no anúncio, sendo que o objetivo seria classificar, pela primeira vez, uma obra fonográfica.
No entanto, segundo a MMP, o processo de classificação caducou em setembro de 2021, um ano depois de aberto, porque a DGPC não prolongou o prazo que permitiria continuar o trabalho, como estipula a lei.
Citando a lei de bases do património cultural, a MMP diz que "o procedimento de classificação deve ser concluído no prazo máximo de um ano, salvo se o instrutor prorrogar o prazo, o que não se verificou neste caso".
O procedimento de classificação aberto em 2020 contou com apoio técnico do Arquivo Nacional do Som, cuja comissão instaladora é liderada pelo antropólogo Pedro Félix, que, em declarações à Lusa, explicou que "foram desenvolvidos todos os esforços, até mais esforços do que aqueles que seriam necessários" para conseguir terminar o processo.
"Levámos até às últimas possibilidades do ponto de vista técnico. As tentativas foram muitas e havia informação que era necessário recolher e não foi possível", disse.
Em novembro de 2021, mais de um ano depois de aberto o procedimento, a DGPC dizia à Lusa que "o trabalho de verificação das `masters` e cópias autênticas" da obra fonográfica já tinha sido concluído e que incluiu contacto com os "diferentes proprietários identificados" e "visitas técnicas de verificação dos bens a classificar".
Em dezembro de 2023, em resposta a um novo pedido da Lusa de atualização sobre o processo, a DGPC explicava que "não se coloca a caducidade do processo pois não foi denunciada a mora" ou atraso.
A direção-geral rejeitou também qualquer ideia de impasse no processo de classificação, justificando que se trata "de um processo particularmente complexo, na medida em que envolve vários detentores, o que acarreta a necessidade de mais tempo para a conclusão do mesmo".
No entanto, admitiu que a rapidez do processo estava comprometida pela "não concordância dos diferentes proprietários" das obras fonográficas, o que impossibilitava a peritagem dos bens.
No final de 2023, por decisão governativa de reestruturação do Património Cultural, a DGPC foi extinta, tendo dado lugar a duas entidades: o instituto público Património Cultural e a empresa pública Museus e Monumentos de Portugal, para a qual transitou, em 2024, o dossier do processo de classificação da obra fonográfica de José Afonso.
Feita a avaliação do processo, a MMP verificou a caducidade do mesmo.
O antropólogo Pedro Félix, do Arquivo Nacional do Som, considera que a não classificação "não invalida a qualidade e o mérito da obra que é ou não classificada. O que acresce, e é esse objetivo das classificações, é dar uma outra camada de proteção a um determinado bem".
Para o antropólogo, houve "um certo esvaziamento da premência do processo", porque atualmente é possível comprar os discos do José Afonso, que foram sendo reeditados e disponibilizados no mercado desde 2021, com o acordo da família.
A decisão de se classificar a obra de José Afonso surgiu depois de, em 2019, o parlamento ter aprovado um projeto de resolução do PCP, que recomendava ao Governo a classificação como de interesse nacional, com vista à sua reedição e divulgação.
Também a Associação José Afonso tinha reunido mais de 11 mil assinaturas numa petição pública que apelava à mesma decisão.
A família de José Afonso, detentora dos direitos da obra musical, também tinha manifestado o apoio à classificação da obra e recordava que estava a "colaborar diretamente com o Ministério da Cultura, desde 2018", para que se desenvolvesse o processo.