Escavações no centro de Faro revelam três sepulturas da antiga cidade romana de Ossónoba

por Lusa

Escavações arqueológicas no centro de Faro revelaram três sepulturas da antiga cidade romana de Ossónoba, que podem pertencer a uma família, ligação que poderá apenas ser confirmada com testes de ADN, disse um dos responsáveis pelos trabalhos.

As escavações, prévias a uma obra, revelaram uma primeira sepultura de um homem - cujo esqueleto estava completo e que teria entre 39 e 45 anos -, e a seu lado jaziam uma jovem mulher, com menos de 25 anos, e um bebé que teria no máximo seis meses, contou o arqueólogo Francisco Correia.

As sepulturas, que deverão ser do período entre os séculos V e VI, não tinham espólio: a do homem encontrava-se intacta e as outras tinham indícios de terem sido vandalizadas. A vandalização de campas para retirar objetos como pulseiras, colares ou anéis é comum, mas neste caso não se consegue precisar quando aconteceu.

Segundo a antropóloga biológica Cláudia Maio, as sepulturas "terão sido alvo de algum tipo de espoliação que levou ao revolvimento, e mesmo à destruição de algumas posições anatómicas dos esqueletos, principalmente, a da criança, que estava muito alterada".

O esqueleto do bebé, cujo género não foi possível determinar, apresentava apenas a metade superior e o crânio, que estava muito fragmentado. Os arqueólogos conseguiram recuperar todos os seus dentes, ainda por eclodir, o que permitirá saber a idade com que morreu.

À dúvida que persiste sobre se se trataria de uma família, a arqueóloga é perentória: "Gostamos de pensar nisso, não é? Curiosamente, um indivíduo masculino, um feminino e uma criança, ainda por cima, sepulturas tão próximas e sem termos verificado a presença de outras nos arredores. Mas não podemos concluir nada disso".

Já no que respeita ao seu `status` social e económico, tudo indica que seriam abastados, pois não foram enterrados em valas abertas e as sepulturas eram cuidadas, sendo que as do homem e da mulher estavam tamponadas por lajes em pedra calcária que terão sido reaproveitadas de ombreiras de portas de algum edifício monumental.

A verdade é que foi naquela mesma zona que na década de 1920 foi descoberto um mosaico do século II dedicado ao deus Oceano -- reenterrando e só redescoberto em 1976 -, que é um dos mais bem preservados mosaicos romanos do Sul do país, elevado a tesouro nacional em 2018.

Segundo Francisco Correia, o antigo edifício monumental da época romana mais próximo da área das escavações, que seria na época uma zona habitacional, ou ligada á parte industrial, é aquele onde foi encontrado o mosaico do deus Oceano, que se supõe que albergaria uma associação de comerciantes ligados aos negócios do mar.

De acordo com o gestor de projeto da ERA Arqueologia, corresponsável pelos trabalhos, além das sepulturas, foram ainda descobertas centenas de pequenas peças que fazem supor que ali também existiria um mosaico: "Não posso dizer que ele existe, mas já houve, certamente nas imediações".

A equipa encontrou ainda dezenas de moedas - entre as quais uma em melhor estado de preservação, que terá sido cunhada no reino do imperador Constantino I, o Grande (307-337) -, um dado feito em osso, pregos, alfinetes, uma colher, ânforas, talhas e muitas peças em cerâmica `sigillata` decoradas, um tipo de cerâmica de qualidade associada às elites.

Numa zona do terreno mais a sul das sepulturas, foi identificada uma estrutura romana com pequenos complexos onde se encontrou restos de produção metalúrgica e uma grande concentração de búzios esmagados, material de onde se extraía um pigmento para produção de coloração têxtil.

"Falta o tanque para podermos dizer que seria uma fábrica de tinta. É possível que nas imediações houvesse uma fábrica de produção de tingimento de tecidos e produção têxtil, mas ainda não podemos confirmá-lo", sublinha Francisco Correia, observando que outras intervenções arqueológicas naquela zona apontam no mesmo sentido, teoria que estes trabalhos vêm reforçar.

Neste momento, está concluída a terceira fase de escavações e a equipa encontra-se agora a fazer o tratamento do material recolhido para que o promotor da obra possa avançar para a segunda fase do processo, uma vez que ainda não foi feito o pedido de licenciamento à Câmara de Faro.

"Quisemos realizar os trabalhos de arqueologia antes de dar entrada do projeto na Câmara Municipal", contou o representante do promotor da obra, Joaquim Ferreira, sublinhando que o projeto ainda está numa fase de estudo prévio e que esta deveria ser o procedimento `standard`.

O direto executivo da ERA Arqueologia, Miguel Lago, reconhece que este modelo deveria ser replicado noutras empreitadas, iniciando-se primeiro a arqueologia, para evitar "sobressaltos" e imprevistos no decorrer das obras.

"Cerca de 95% da arqueologia de campo está relacionada com obras e a verdade é que a arquitetura urbana no Algarve está bastante controlada, há muito rigor e cuidado por parte das câmaras, no espaço rural é que há mais problemas, existindo muitos projetos que escapam ao radar dos estudos de impacto ambiental e dos licenciamentos", concluiu.

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