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Edila Gaitonde. Escritora, pianista e figura do movimento anticolonial comemora 100 anos

por António Louçã, Nuno Patrício
Imagem e edição: Nuno Patrício - RTP

Edila Gaitonde completa no dia 3 de novembro 100 anos de idade, com uma memória invejável e com um bom humor que partilhou com a equipa de reportagem do online, em entrevista longa de uma hora, de que aqui apresentamos os principais excertos.

Açoriana e faialense, nascida em 1920, Edila Brum Dutra de Andrade viria a casar-se com o notável médico indiano Pundalik Gaitonde, fundador do Congresso Nacional de Goa, conselheiro de Nehru e primeiro representante de Goa no parlamento indiano, depois de o território ter sido recuperado pela União Indiana.

Em entrevista à RTP, Edila Gaitonde recorda uma infância feliz, em que nada ainda fazia adivinhar as dificuldades do seu percurso posterior. E recorda especialmente como nela despertou, logo desde essa tenra infância, o gosto pela música, a que depois viria a dedicar boa parte do seu talento, tanto na qualidade de professora como de pianista. Depois dos primeiros estudos de música, ainda nos Açores, decidiu vir para Lisboa completar a sua formação no Conservatório. Também nisso contou com o apoio dos pais, que pediram transferência para poderem acompanhá-la.


Já em Lisboa, Edila adoeceu com uma pneumonia e, como paciente, conheceu o dr. Pundalik Gaitonde, que iria revolucionar a sua vida. Seguiram-se o namoro e o casamento, sempre com o plano claro e partilhado entre ambos, de irem viver para a Índia.


Uma vez chegados a Goa, Edila recorda as suas impressões sobre um mundo que para ela era inteiramente novo - os contrastes sociais entre a família que foi encontrar em Bombaim e a que foi encontrar em Goa, a peculiar técnica de construção das casas, a sobranceria e os preconceitos da elite católica contra a maioria hindu. Disso nos conta histórias pitorescas, como o mito de que os hindus sempre começavam o dia tomando um copo cheio de urina de vaca - e a partida que o marido, Pundalik Gaitonde, pregou a uma dama que dava crédito a esse mito.

De si própria Edila pouco diz, mas quem foi em busca desta história de vida fica a saber que, enquanto o dr. Pundalik Gaitonde, cirurgião eminente e conceituado, dava os primeiros passos no movimento anticolonialista de Goa, ela arrostava com todas as resistências familiares para criar uma escola de música que teve assinalável sucesso, merecendo em 1952 o envio de um responsável da Royal School of Music de Londres para examinar os alunos aí formados. Uma das fotografias que Edila Gaitonde ainda hoje conserva é aquela em que aparece a dar um recital de piano em Nova Dehli.


Mas as tensões entre a presença colonial portuguesa e a reivindicação territorial da União Indiana agravavam-se e, em 1954, Pundalik Gaitonde foi preso pela PIDE devido a um incidente ocorrido num banquete em que participava.

Edila relata esse incidente e, depois, a deportação do marido, bem como o trato humano e respeitoso que lhe dispensou o comandante do navio usado para deportá-lo.


Em Lisboa, Pundalik Gaitonde foi julgado, condenado a três meses de prisão que cumpriu na cadeia do Aljube e, depois, a cinco anos de residência fixa. Mas em 1955, autorizado a assistir a um congresso médico em Londres, partiu daí, com Edila, para Bombaim a convite do Governo indiano. Ficaram a residir primeiro em Bombaim, depois em Nova Dehli, Pundalik em frequente contacto pessoal com o próprio primeiro-ministro indiano, Nehru, e Edila como locutora de All India Radio.

Mas em 1962 Edila foi retomar a sua actividade como professora de música em Londres, onde algum tempo depois se lhe juntou Pundalik, daí em diante médico e reconhecido investigador num dos mais prestigiados hospitais de Inglaterra, o London Hospital. Pundalik Gaitonde faleceu em 1992 e Edila acabou por regressar a Portugal, tendo casado uma segunda vez, já em 2010, com António Nava, também faialense e amigo da juventude. António Nava viria a falecer em 2017.

Edila Gaitonde, autora de vários livros de memórias e de ficção, vive actualmente em Leça da Palmeira, onde hoje comemora o seu centenário com o número limitado de amigos que a pandemia deixou reunir para a comemoração presencial e com quase três dezenas de outros, numa festa-surpresa realizada em videoconferência, a partir da Índia, de Inglaterra, dos Açores e de Lisboa.
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