Dois dias de luto nacional por José Saramago

por Raquel Ramalho Lopes, RTP
O corpo de José Saramago estará em câmara ardente na Câmara Municipal de Lisboa entre a tarde de sábado e as 12h de domingo Emílio Naranjo, EPA

O corpo de José Saramago vai ser cremado em Lisboa, onde chega amanhã para as cerimónias fúnebres do Nobel da Literatura. O Governo português decidiu que sábado e domingo são dias de luto nacional para demonstrar o pesar pela morte de José Saramago, esta 6.ª feira, em casa na ilha de Lanzarote. A morte do Prémio Nobel da Literatura, aos 87 anos, suscitou reacções dos sectores político e cultural, em países de expressão portuguesa e espanhola.

"Escritor de projecção mundial, justamente galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago será sempre uma figura de referência da nossa cultura", escreve o Presidente da República, numa mensagem de condolências à família do escritor.

Nos Açores, Cavaco Silva presta "homenagem à memória de José Saramago, cuja vasta obra literária deve ser lida e conhecida pelas gerações futuras".

O primeiro-ministro referiu-se a José Saramago como "um dos grandes vultos da nossa cultura e o seu desaparecimento torna a nossa cultura mais pobre". Na perspectiva de Sócrates, "os portugueses apreciaram muito a obra e a carreira de José Saramago, que deixou uma obra que orgulha o país".

Após uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, o Executivo decretou luto nacional para os dias de sábado e domingo "como forma de expressão de pesar pela morte do escritor".

"José Saramago foi o autor português contemporâneo mais traduzidos, com livros editados em todo o mundo, tendo recebeido vários prémios literários e graus honoríficos, nacionais e internacionais, entre os quais o Prémio Camões, em 1995, e o Prémio Nobel da Literatura, em 1998", refere o Governo em comunicado.

O presidente da Assembleia da República preferiu destacar o "percurso literariamente exigente" de Saramago. "Isso é o que dignifica a carreira de um escritor, que é também uma progressão no sentido de qualificação acrescida ao longo da vida", reconhecida com o Prémio Nobel.

"A sua obra tem pontos de maior controvérsia e outros de enorme grandeza" e "segurmente no futuro permanecerão aqueles trabalhos menos polémicos, de mais profundidade e até os mais simples", considerou Jaime Gama.

A notícia da morte do escritor, ao final da manhã, "caiu de rompante" na reunião de todos os ministros da Cultura da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), tendo sido recebida com "grande constrangimento e pesar" e assinalada com um minuto de silêncio, conta Gabriela Canavilhas.

"Foi um homem que afirmou a sua criação literária através da liberdade de pensamento" e com uma "força crítica e de auto-crítica", destaca a ministra da Cultura, que vai num C-295 do Governo português recolher o corpo de José Saramago a Lanzarote.

Cerimónias fúnebres

A ministra da Cultura viajou no avião militar, juntamente com familiares de José Saramago, entre os quais a sua filha, para que as cerimónias fúnebres sejam realizadas em Portugal.

O avião partiu de Figo Maduro às 19h45 desta sexta-feira, devendo aterrar às 22h15 a Lanzarote. A sua chegada está prevista para as 12h45 de sábado ao mesmo aeroporto.

Seguir-se-á um cortejo fúnebre para o Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, onde permancerá em câmara ardente até ás 12h de domingo, hora de saída para a cremação no Cemitério do Alto de São João, informa a Fundação José Saramago em comunicado.

O corpo do escritor encontra-se na câmara ardente instalada na Biblioteca José Saramago, na localidade de Tías, na ilha espanhola Lanzarote, onde residia. O governo da região espanhola já decretou três dias de luto em memória do filho adoptivo.

O alcaide de Tías, também biógrafo do escritor, anunciou que o luto visa mostrar respeito, apreço, reconhecimento e o excelente relacionamento que sempre existiu com Saramago. "Foi uma referência da nossa ilha no mundo", comentou José Juan Cruz.

Igreja prefere deixar polémicas de fora

O Bispo Auxiliar de Lisboa, D.Carlos Azevedo, lembra em José Saramago "o expoente" da cultura portuguesa e prefere, nesta hora, deixar as polémicas de fora.

O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura prefere apontar a "exigência e beleza" do interesse do escritor pelo cristianismo e texto bíblico enquanto inspiração para criação literária.

"O único lamento é que ela (recriação literária) nem sempre fosse levada mais longe, e de forma mais desprendida de balizamentos ideológicos", lê-se no texto do secretariado da Pastoral.

O documento de reacção da Igreja à morte do escritor com quem foram travadas acesas polémicas termina com a garantia que "a vivacidade do debate que a sua importante obra instaura em nada diminui o dever da cordialidade de um encontro cultural que, acreditamos, só pode ser gerado na abertura e na diferença".

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