"Do Alto da Ponte", tragédia moderna de Arthur Miller, estreia-se em Lisboa
Lisboa, 03 nov (Lusa) - A peça "Do Alto da Ponte", uma tragédia moderna escrita pelo dramaturgo norte-americano Arthur Miller numa fase adiantada da vida, mais sombria e desiludida, estreia-se sexta-feira em Lisboa, no Teatro da Trindade, numa encenação de Gonçalo Amorim.
"Depois de encenar `A Morte de um Caixeiro-Viajante` - que é um texto mais jovem do Arthur Miller (1915-2005), que faz um diagnóstico incrível do que ele chama `a tragédia do homem comum`, mas que é, apesar disso, uma peça com alguma frescura, alguma loucura, alguma esperança -, fui procurar outros textos dele e vi neste uma rudeza que o primeiro não tem", disse à Lusa o encenador.
"É um texto já de um Miller mais velho, mais desiludido, numa altura em que a caça às bruxas do MacCarthismo nos Estados Unidos está com uma força incrível, em que ele está a perder amigos, porque há amigos que estão a `bufar`, como o Elia Kazan, o encenador do Caixeiro-Viajante, por exemplo", prosseguiu Gonçalo Amorim.
O autor começou por escrever uma primeira versão desta peça em um ato, com o narrador a falar em verso, "um bocado fascinado pelo teatro épico do Brecht, e também, como sempre, fascinado pela tragédia clássica", mas depois da estreia com críticas desfavoráveis, resolveu rescrevê-la, passando a ter dois atos, e foi essa nova versão que se estreou em Londres com encenação de Peter Brook.
É a primeira vez que esta versão da peça é encenada em Portugal e Gonçalo Amorim, ao escolhê-la, quis "dar a conhecer um dos textos mais representados do Miller" e "sentir como ele ressoa nos nossos tempos".
Primeiro, apresenta-se-nos o advogado Alfieri - um ítalo-descendente mas "upper class", de Manhattan -, dizendo que tem "lidado toda a vida com estivadores, as suas viúvas, com os problemas mesquinhos dos pobres", e depois apresenta o protagonista desta tragédia, o estivador Eddie Carbone, "um bom homem" com "um destino que ele não sabia que tinha", e que levou "as coisas a tomarem o seu sangrento curso".
A ação passa-se no bairro de Red Hook, em Brooklyn, onde Eddie e a mulher, Beatrice, criaram a sobrinha Catherine desde que a sua mãe, Nancy - irmã de Beatrice - morreu. A rapariga tem 17 anos e vai trabalhar como estenógrafa numa empresa de canalizações, quando os tios acolhem em casa dois primos muito pobres que vêm de Itália em busca de uma vida melhor "na América": os irmãos Marco e Rodolpho.
São tempos sombrios os que se vivem nos Estados Unidos nos anos 1950, no pós-Segunda Guerra Mundial, pós-bombas atómicas, em plena guerra fria, época do MacCarthismo, e Eddie adverte Beatrice e Catherine de que não deverão fazer comentários sobre os primos que têm em casa, por causa do departamento de Imigração: "Eles têm bufos pelo bairro todo, recebem à semana. Pode ser o teu melhor amigo. Lembra-te miúda, mais depressa recuperas um milhão de dólares que te tenham roubado do que a tua palavra".
No final, será o próprio Eddie a denunciar os primos, porque o mais novo, Rodolpho, se apaixona pela sua sobrinha e querem casar, ideia que ele não suporta, tentando convencê-la de que o rapaz apenas a vê como um meio para conseguir o seu objetivo: obter os papéis para poder viver o seu sonho americano.
A assistir ao desenrolar desta tragédia, estão os atores que não estão em cena: estão sentados em cadeiras alinhadas viradas para a plateia por detrás do cenário, uma tela translúcida com imagens da ponte de Brooklyn e do porto onde trabalham os estivadores. Depois de Eddie denunciar os dois primos, as cadeiras ficam vazias.
"Eu queria que existisse sempre uma força humana em cena, a que eu chamo o coro, os vizinhos, a cidade, que estivesse sempre ali a assistir e, de alguma maneira, a participar do ritual", diz o encenador.
Nesta encenação de Gonçalo Amorim, dão vida às principais personagens os atores Paulo Moura Lopes (Eddie Carbone), Jorge Mota (Alfieri), Mónica Garnel (Beatrice), Maria João Pinho (Catherine), João Miguel Mota (Marco) e João Villas-Boas (Rodolpho).
Depois da estreia em setembro no Auditório Municipal de Gaia, "Do Alto da Ponte" - uma co-produção do Teatro Experimental do Porto e da Fundação Inatel - estará em cena no Teatro da Trindade até 27 de Novembro, de quinta-feira a sábado às 21:00 e aos domingos às 16:00.