DGPC vai pedir parecer do Conselho Nacional de Cultura sobre vestígios islâmicos na Sé de Lisboa
O diretor-geral do Património Cultural disse hoje que vai pedir um parecer do Conselho Nacional de Cultura, sobre a projetada exumação de parte dos vestígios islâmicos encontrados nas escavações arqueológicas na Sé de Lisboa, e que o acatará.
"Nós preconizamos uma solução de salvaguarda do património, por exumação, desta estrutura parcial", relativa a um vestiário islâmico, disse hoje o diretor-geral do Património Cultural, Bernardo Alabaça, à agência Lusa, no decorrer de uma visita para a comunicação social ao estaleiro de obras no claustro da Sé de Lisboa.
Alabaça justificou a "exumação de parte desta estrutura" com o projeto de estabilidade da Sé, e disse que vai pedir, "com caráter de urgência", um parecer à secção do Património Arqueológico do Conselho Nacional de Cultura, tendo garantido que "a Direção do Património Cultural [DGPC], vai vincular-se a esse parecer".
O responsável declarou que "a preservação das estruturas arqueológicas nunca esteve em causa" e defendeu "o convívio dos cidadãos com o seu património", tendo considerado "positivo" o debate que se instalou na sociedade portuguesa sobre o destino dos vestígios da antiga mesquita almorávida, do século XII.
O complexo da antiga mesquita ocupava todo o quarteirão da atual Sé, com banhos, escolas e a mesquita dos mortos, entre outras estruturas, disse uma das diretoras científicas do trabalho arqueológico, Alexandra Gaspar.
Entre os vestígios descobertos, que a arqueóloga apontou como "únicos" nos contextos ibérico e marroquino, encontra-se a base do minarete e o compartimento do vestiário.
"A mesquita encontrada só tem paralelo na Argélia", realçou Alexandra Gaspar que defendeu a manutenção dos vestígios, num parecer técnico que foi contrariado por um despacho hierárquico superior.
A arqueóloga Catarina Coelho, da DGPC, reconheceu haver "uma divergência" com o parecer técnico das diretoras científicas do trabalho arqueológico Alexandra Gaspar e Ana Gomes, tendo afirmado que o despacho da DGPC, no sentido de exumar os vestígios, "teve em conta o parecer do projetista de estrtuturas, segundo o qual há risco de ruir parte da Sé de Lisboa, classificada como monumento nacional - quer o paredão sul, quer da ala sul do claustro".
Seria, assim, uma opção "em prol da segurança", segundo Catarina Coelho, da DGPC.
O arquiteto João Carlos Santos, responsável pela obra, afirmou por seu lado que "a proposta da DGPC é a exumação para musealização no local", designadamente os arcos do vestiário, que justificou pela "necessidade de se manter a estrutura de betão que suporta todo o resto" da musealização e percurso de visita.
Bernardo Alabaça, por seu turno, realçou as dificuldades que a obra enfrenta.
"Por um lado a salvaguarda do património que se vai descobrindo, e que é um processo dinâmico", ao qual tem de haver adaptação; por outro, "a estabilidade daquilo que é a intervenção, e o que está projetado desde o início".
"Um equilíbrio sempre difícil", reconheceu Alabaça, e que pode implicar "o desmonte de algumas estruturas, para se concretizar o projeto desenhado, com vista a promover a salvaguarda e a valorização destas estruturas arqueológicas, que têm vindo a ser descobertas desde 1990".
Bernardo Alabaça referia-se ao projeto de musealização que foi alterado no ano passado.
Quanto ao risco para o atual edifício da Sé de Lisboa, o responsável disse que "há sempre, se houver um fenómeno atmosférico extremo, [como] um pequeno abalo, o muro sul, poderá ruir".
Além de vestígios islâmicos, neste espaço monumental, em Alfama, foram também encontrados vestígios romanos, nomeadamente a cloaca (esgoto) e ruas.
O arquiteto João Carlos Santos disse que o projeto de requalificação estará aberto ao público no segundo semestre do próximo ano, sem garantias, dada "a complexidade da intervenção", que inclui a drenagem de águas do claustro, sublinhando que existem "alterações constantes ao projeto para minimizar as afetações ao património que vai aparecendo".
O responsável pela obra reconheceu que anteriormente já foram "desmontadas estruturas arqueológicas", facto que justificou pela necessidade de estabelecer uma estrutura que permitirá a visita do público.
A dirigente do Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia, Jacinta Bugalhão, reafirmou hoje aos jornalistas as críticas já feitas pelo sindicato, em comunicado emitido terça-feira, e acusou a DGPC de ter gerido todo este processo com "secretismo, para ver se conseguia fazer passar, sem ninguém perceber, certas decisões", como o desmonte dos vestígios islâmicos, e o tratamento que está ser feito ao claustro, erigido no reinado de D. Dinis.