Da Grécia antiga aos dias de hoje. Metro em Salónica destapa mais de 300 mil achados arqueológicos

por Carla Quirino - RTP
Estação de Venizelou Alexandros Avramidis - Reuters

Após 38 anos de espera, a segunda maior cidade grega tem finalmente uma linha de metro que se estende por baixo do intrincado tecido urbano com mais de dois mil anos de história. Durante as obras, foram encontrados mais de 300 mil achados arqueológicos e agora, ao longo de quase dez quilómetros e 13 estações, os viajantes podem apreciar grande parte do espólio.

Esta obra expôs uma via da era romana, antigos cemitérios gregos, sistemas de água e drenagem, mosaicos e inscrições, e dezenas de milhares de artefactos que contam a história do quotidiano da população ao longo de mais de 20 séculos.

O primeiro túnel foi escavado em 1986, mas a construção começou em 2003 e expôs mais de 300 mil em vestígios arqueológicos que remontam aos períodos grego e o romano antigo, passando pelo domínio bizantino e otomano.

Em 2013, o projeto foi quase abandonado, mas em 2015 o Conselho Arqueológico Central finalmente chegou a um compromisso com os responsáveis das obras e Ministério da Cultura. 

Após os trabalhos devidamente registados, os arqueólogos concordaram então em levantar parte das estruturas para que as obras prosseguissem sem as destruir e remontá-las posteriormente, permitindo uma exposição pública.


Estação de Agias Sofias | Alexandros Avramidis - Reuters

“Este projeto oferece uma combinação notável do antigo e do moderno, integrando o património arqueológico com a infraestrutura do metro”, sublinhou aos jornalistas Christos Staikouras, ministro grego dos Transportes e Infraestrutura.
Linha de metro em jeito de museu
Não é de estranhar que o subsolo de Salónica continue a preservar evidências de história romana, bizantina e otomana. Sendo um território costeiro no golfo Termaico do Mar Egeu, a área estratégica acabou por servir diversas civilizações que chegavam e partiam.

Estação Sintrivani - área cemiterial e basílica cristã primitiva | Portal da Web - Elliniko Metro AE

A cidade foi construída em 315 a.C. por determinação de Cassandro, rei da Macedónia (305 e 297 a.C.) que lhe deu o nome da sua esposa, Tessalónica, meia-irmã de Alexandre Magno. Fez parte do Império Romano e do Império Bizantino, até que foi conquistada na Quarta Cruzada, em 1204.

A cidade tornou-se capital do Reino de Salónica, fundado pelos cruzados, mas rapidamente caiu nas mãos de exilados de Bizâncio que a vendem de seguida ao reino de Veneza, que a controla até 1430. Nesse ano passa então para o domínio otomano até 1912. Salónica torna-se então o principal "prémio" da primeira Guerra dos Balcãs, em 1912, quando passa a fazer parte da Grécia.

Esta longa ocupação humana deixou muitos vestígios, marcas que fizeram parar as obras do metro ao longo das três últimas décadas.


Materiais arqueológicos expostos na estação de Agias Sofias | Alexandros Avramidis - Reuters

“Arqueologicamente, tem sido um esforço extremamente complexo e difícil”, afirmou a ministra grega da Cultura, Lina Mendoni, sobre as mais de 300 mil descobertas feitas desde que a construção começou. “Para chegar aqui foi necessária uma batalha em muitas frentes”, acrescentou.

A descoberta de tantos artefactos forçou engenheiros, arqueólogos e arquitetos a colaborar estreitamente para redesenharem a rota e a estudarem estratégias para salvaguardar o património arqueológico.


Entrada sul – Piso de mosaico na estação de Agias Sofias | Portal da Web - Elliniko Metro AE

Os túneis tiveram de ser escavados a pelo menos 20 metros de profundidade para preservar os achados mais próximos da superfície, tornando-se uma das maiores e mais controversas escavações da Grécia.

Alguns historiadores, como Angelos Chaniotis, que leciona na Universidade de Princeton, citado no jornal britânico The Guardian, lamentou a combinação da obra final afirmando que os tesouros foram “fatiados horizontal e verticalmente” para depois serem “costurados juntos, como um quebra-cabeça” para acomodar o metropolitano.

Alega mesmo que a construção da linha “minou a autenticidade das antiguidades e não justifica celebrações”. Posição assumida em artigo de opinião no jornal grego Kathimerini.

As derrapagens orçamentais também foram outro ponto controverso - atrasos e as necessidades financeiras adicionais de uma rede de transporte que já custou três mil milhões de euros. Porém, o Ministério da Cultura a descreve o projeto como o “maior trabalho de salvação” já realizado na Grécia.

“O projeto enfrentou atrasos substanciais e muitos desafios, incluindo mais de 300 mil achados arqueológicos, muitos dos quais agora estão expostos em várias estações ao longo da linha principal”, exaltou Staikouras.
Venizelou, exemplo de uma "arqueoestação"
Duas praças de mármore, uma basílica cristã primitiva, uma via da era romana, sistemas de água e drenagem e antigas necrópoles gregas repletas de joias e ouro estão entre o conjunto arqueológico agora tornado público, exibidas ao longo das 13 “arqueoestações”.


Escavação - Decumanus Maximus - via principal de época romana descoberta na área da estação de Venizelou  | Portal da Web - Elliniko Metro AE

"Este não é apenas um projeto de obras públicas, que é incrivelmente importante para a cidade. É também um museu", alegou o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis.

"Provavelmente é único no mundo. Passaremos por um museu subterrâneo para chegar ao metropolitano", continuou.

Uma das atrações encontra-se na estação central de Venizelou onde se pode ver um “sítio arqueológico inteiro”.


Decumanus Maximus na estação central de Venizelou, já pronta a ser vista pela população | Alexandros Avramidis - Reuters

"É uma oportunidade para Salónica se tornar uma segunda Roma, em termos de antiguidades", acentuou Melina Paisidou, uma das arqueólogas que descobriram as estruturas subterrâneas.

“Acho que quando a população de Salónica tiver a possibilidade de ver esta estação reconhecerá o enorme esforço que foi feito para que a cidade pudesse ter antiguidades e um metropolitano”, rematou Mitsotakis.
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