Em entrevista à RTP o presidente da Câmara de Mafra alerta para o estado de degradação do conjunto sineiro do Palácio Nacional. O perigo de derrocada da estrutura já obrigou à colocação de baias de segurança junto à entrada da basílica, a pedido da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), devido ao mau tempo que se fez sentir nas últimas semanas. Paula Silva, diretora-geral, explica que as obras de requalificação aguardam a aprovação do Tribunal de Contas.
A Câmara Municipal de Mafra revelou à RTP que esta foi uma medida de segurança perante o perigo de queda de parte da estrutura devido ao mau tempo que se tem feito sentir nos últimos dias.
“Na sexta-feira passada a Câmara foi contactada pela Direção-Geral do Património (DGPC) e foi-nos pedido que fizéssemos um perímetro de salvaguarda das duas torres que suportam os sinos dos dois carrilhões”, revela o presidente da Câmara.
O perímetro de segurança deve-se ao “risco de queda de alguns sinos, em particular aqueles de maior peso”. “Há sinos que têm cerca de 12 toneladas”, alerta o autarca.
Em declarações à RTP, a diretora-geral do Património Cultural, Paula Silva, confirma que “neste momento há o risco de os sinos caírem” e que por isso a DGPC avançou com um plano de contingência em conjunto com a Proteção Civil.
“Quando o nível de risco aumenta nestas condições adversas são acionadas medidas conforme o alerta da meteorologia. (…) Por questões de segurança absolutamente necessárias colocamos estas baias de proteção que terão de existir enquanto a obra não começar e mesmo quando a obra começar”, refere a diretora responsável pelo Património Cultural.
As duas torres sineiras do convento são constituídas por mais de uma centena de sinos, incluindo os que integram os dois carrilhões (ou seja, sinos que são afinados musicalmente entre si). Os dois carrilhões foram construídos no século XVIII e são originários da Antuérpia e de Liége.
Nestas duas torres, cada uma com 50 metros de altura e com cerca de trezentas toneladas de peso no seu conjunto, abriga-se um dos conjuntos sineiros musicais mais antigos do mundo, inseridos num monumento histórico do barroco português que em 2017 assinalou o tricentenário da colocação da primeira pedra.
“Os dois carrilhões são um instrumento único que existe no mundo e que há cerca de dez anos a esta parte estão completamente silenciados. A Câmara naturalmente não pode deixar de lamentar profundamente esta situação”, sublinha o autarca.
Atraso burocrático
Em 2015, o Governo lançou um concurso público internacional para a requalificação dos carrilhões, que deveria estar concluído em novembro do ano passado, isto depois de a organização Europa Nostra ter incluído os carrilhões do Palácio Nacional de Mafra entre os sete monumentos europeus mais ameaçados, uma lista divulgada em 2014.
Na sequência do alerta, uma avaliação independente da Europa Nostra e do Instituto do Banco Europeu de Investimento delineou um plano de restauro dos carrilhões, bem como dos sinos e relógios que lhe estão associados, num investimento total de 2,5 milhões de euros.
“Primeiro (a obra) era para estar pronta a 17 de novembro de 2017, depois já era para começar durante o ano de 2017, podendo não estar pronta aquando da comemoração do tricentenário. Hoje ninguém nos diz nada, ninguém sabe quando é que as obras começam”, assinala Hélder Sousa Silva.
Em causa estará um atraso burocrático, segundo refere o presidente da Câmara. “O concurso público, ao que sei, ainda carece de um visto do Tribunal de Contas e de uma portaria de extensão de encargos. Certo é que essa portaria nunca mais sai, o visto nunca mais sai, a obra nunca mais avança”, refere.
“A Câmara lamenta profundamente esta inatividade do Governo, através da DGPC. Há muitos anos que isto está referenciado como uma questão de nível nacional e os vários governos têm dedicado pouca atenção a este importante problema nacional”, assinala o autarca.
“A DGPC diz sempre que está em curso um lançamento de concurso público internacional, que tem as suas vicissitudes. (…) Certo é que até hoje, como podem constatar, a obra não começou. De promessas está o inferno cheio”, diz ainda o presidente da Câmara de Mafra.
A diretora-geral do Património Cultural, no cargo desde janeiro de 2016, esclarece que a candidatura ao fundo de salvaguarda, um fundo que permite fazer obras urgentes, foi feita logo em 2013. Esse fundo, destinado para obras em perigo de segurança para pessoas e bens, conheceu concurso para adjudicação do empreiteiro em finais de 2015, explica.
“Em finais de 2016 a autoridade deu adjudicação e em outubro de 2017 é feita a assinatura do contrato com o empreiteiro que ganha a obra”, acrescenta a responsável.
O atraso no avanço da obra está relacionado com a mudança do ano económico e com a necessidade de “pedir outros documentos que têm de ser autorizados pelo Ministério das Finanças, documentos que são necessários apresentar novamente ao Tribunal de Contas com a data de 2018”.
Escoramento custa 40 mil euros por ano
Nas torres, é possível observar que os sinos, que já não tocam desde 2004, são suportados por uma estrutura metálica provisória em avançado estado de degradação, ela própria em risco de queda.
“Essas estruturas já estão aqui há cerca de dez anos. Vão enferrujando, oxidando, e vão entrando em fadiga. Dado que era suposto a intervenção ter começado há cerca de um ano, tem havido vistorias técnicas regulares”, explica o presidente da Câmara.
O autarca acrescenta que “as últimas vistorias detetaram fadiga naquilo que é a estrutura que suporta hoje os sinos, em virtude de os cabeçotes estarem completamente degradados”.
Paula Silva, diretora-geral do Património Cultural, refere que os carrilhões em causa estão escorados desde 2004. Estes andaimes, colocados nas torres para suporte dos sinos, têm sido desde então reforçados e monitorizados pelas autoridades.
A responsável explica que o avanço da obra “não depende” da Direção-Geral do Património Cultural. “Neste momento estamos à espera de documentos para o Tribunal de Contas nos dar o visto para nós podermos de imediato iniciar a obra”.
Paula Silva salienta que é do máximo interesse avançar o mais rápido possível, mas que ainda não há qualquer previsão para o início da obra. “Nós queremos iniciar a obra o mais rapidamente possível. Não temos interesse nenhum, até porque o aluguer das estruturas custa 40 mil euros por ano”, explica, acrescentando que “os procedimentos orçamentais são complexos”.
“Mau aspeto”
Para o presidente da Câmara, a medida de mitigação, articulada entre a Câmara de Mafra e a Proteção Civil, é uma medida de segurança “adequada” perante o risco de queda. “Depois de colocadas as baias, o perigo neste momento não existe. Se existisse, as baias teriam um perímetro maior".
"Para quem trabalha e visita [o Palácio], o perigo não existe neste momento”, assegura o autarca, que foi deputado pelo PSD antes de ter sido eleito presidente da Câmara em 2013.
Ainda assim, Hélder Sousa Silva destaca a má imagem de ter a entrada do Palácio “pejada de baias” mesmo em frente a um dos ex-libris da vila.
Destaca que o Palácio Nacional de Mafra é um dos monumentos mais visitados em Portugal, recebendo por ano "cerca de 350 a 400 mil visitantes”, e daí a “grande urgência” na requalificação do património. “Ontem já seria muito tarde”, considera.
“Para nós, mafrenses, é uma verdadeira vergonha ter este perímetro de segurança com baias, com este mau aspeto, aqui como mau cartão-de-visita de Mafra”, refere o presidente da Câmara, que critica o “estado caótico do património nacional, candidato a património mundial”.
“As baias não estão aqui para provocar nenhum ruído em termos políticos, as baias estão aqui essencialmente para preservar vidas humanas”, enfatiza o autarca.
Na leitura de Paula Silva, a diretora-geral do Património Cultural, a colocação das baias “só significa que estamos atentos” e que a medida visa “prever antecipadamente” a proteção de pessoas e bens.
No final do ano passado, a Câmara Municipal de Mafra confirmou a receção do dossier de candidatura do Palácio Nacional de Mafra e da Tapada de Mafra pela UNESCO. A organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura deverá decidir sobre esta candidatura em 2019.