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Contar histórias aproxima gerações e desenvolve inteligência emocional

por Agência LUSA

São precisos alguns minutos por dia, paciência e imaginação, mas os benefícios parecem compensar: contar histórias desenvolve o intelecto e a afectividade das crianças e cria laços entre gerações.

As "horas do conto" generalizaram-se, quase todas as bibliotecas municipais têm uma, mas psicólogos e escritores são unânimes em defender que são os pais os melhores contadores de histórias e até há "aulas" onde podem aprender a ser mais eficientes na tarefa.

A escritora infantil e juvenil Alice Vieira considera que, mesmo que estejam muito cansados, os pais não devem deitar os seus filhos sem primeiro lhes "administrarem uma dose diária de histórias".

"Nem que a gente esteja a cair para o lado, não pode haver pressa quando estamos a deitar as crianças", afirmou a escritora à Lusa.

Alice Vieira optava por inventar histórias diferentes todas as noites, a partir daquilo que ela e os filhos viam da janela, e nem se deixava atrapalhar pelo facto de o quarto ter vista para um hospital.

"As histórias deles eram muito mais macabras do que as minhas", contou a autora de "Rosa, minha irmã Rosa".

A psicóloga Leonor Baeta Neves também considera que a melhor altura para contar e ouvir histórias é ao deitar.

"Antes de adormecer é muito importante para a criança ter uma voz conhecida e calma, do pai ou da mãe, a contar-lhe uma história", afirmou à Lusa a psicóloga.

O horário para iniciar o "era uma vez" não é, contudo, consensual.

A escritora infantil Luísa Ducla Soares é categórica: "Tive três filhos e três netos, já contei histórias a todas as horas, incluindo às refeições, mas não ao deitar".

A autora prefere que as suas histórias "façam acordar, não dormir", e considera que "à noite é melhor dar um beijo do que contar uma história, até porque, se envolver alguma aventura, tira um bocadinho o sono".

Élcio di Trento é contador profissional de histórias há 20 anos, colaborando actualmente com as bibliotecas do concelho de Cascais, e defende que "as histórias não têm hora, são para ser contadas em todos os momentos, desde o banho à hora das refeições, se não cria-se um folclore de que as histórias são só para dormir e não são".

Para Filipe Lopes, contador de histórias e monitor de oficinas para pais e educadores, mais importante do que a altura a que se conta é fazer disso uma rotina.

"Deve haver uma hora para o conto, para que se crie um hábito, e a hora do jantar pode ser uma boa alternativa à hora de deitar", explicou à Lusa Filipe Lopes que, com um grupo de Tomar, percorre o país a ensinar as melhores técnicas para contar histórias, fruto de conhecimentos de Pedagogia e Psicologia e da sua própria experiência como contador.

Para Leonor Baeta Neves, as histórias têm a função de ensinar às crianças a importância da palavra, e de a saber ouvir.

"A vida é muito intensa hoje em dia, as pessoas cada vez menos se entendem por palavras e as crianças desde muito cedo reagem fisicamente. O educador deve incutir na criança a consciência de que se deve exprimir pela palavra", explicou.

"As histórias são fundamentais para a criança gostar de falar e saber ouvir. Encontro hoje muita gente que não sabe ouvir, o que é uma fonte de mal-entendidos", acrescentou.

Segundo a psicóloga, o hábito de contar histórias é ideal para promover a chamada "inteligência emocional".

"Contar histórias é um estímulo à leitura, que, por sua vez, é uma condição básica para o sucesso escolar. Mas é também importante para aquilo que hoje se chama inteligência emocional, ao desenvolver a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro".

Este é um capítulo da educação, sublinha também Filipe Lopes, em que é positivo fazer a vontade às crianças.

"Quando uma criança pede uma história, sempre que é possível, deve fazer-se a vontade", disse.

Para Leonor Baeta Neves, as histórias estabelecem laços de confiança entre o adulto e a criança e dão-lhe vontade de crescer.

"É muito importante para uma criança, além de confiar na pessoa crescida, perceber que esse adulto já foi pequenino. É importante para a criança querer crescer".

A psicóloga pensa que, além das histórias tradicionais, os pais ou avós devem contar episódios das suas próprias infâncias, porque isso "humaniza a figura do adulto, mostra que também já fizeram disparates, mostra que o avô tratou da mãe quando ela também era pequenina".

"Criam-se elos entre as várias gerações", resumiu.

A psicóloga não se impressiona com as cenas de violência que muitas histórias tradicionais incluem, como o célebre episódio do lobo a comer a avozinha, que é depois resgatada da sua barriga, no "Capuchinho Vermelho".

Recordando que quanto mais se recua no tempo maior carga de violência as histórias têm - os contos dos irmãos Grimm são mais violentos do que os de Perault, por exemplo - Leonor Baeta Neves julga que estas fábulas fazem vir à tona "o que de mais profundo há em nós".

"Há meninos que bloqueiam de tal maneira a agressividade que, para não serem maus para fora, viram-se para dentro e são maus para si próprios", afirmou, para ilustrar que "a agressividade existe sempre" e que "as histórias podem servir como uma almofada a que se dá pontapés".

Para a psicóloga, também é positivo que as histórias tenham um "efeito moral" que resulta no castigo dos maus e na vitória dos bons, na premissa de que, "quando se faz uma coisa errada, sofre-se as consequências".

Nos ateliers promovidos pelos "Contadores de Histórias", Filipe Lopes ensina a "pais que vêm à procura de uma fórmula mágica" que a primeira condição para ler bem uma história é conhecê-la de antemão.

"Dedicar cinco minutos por dia a preparar o momento do conto, basta", contou.

Pais e filhos podem encontrar inspiração em bibliotecas municipais e livrarias especializadas em literatura infantil, como a Pequeno Herói, na zona do Castelo (Lisboa), a Histórias com bichos, situada na Fábrica da Pólvora, em Barcarena (Oeiras), a Mãos à Arte, em Leça da Palmeira (Porto), a Salta-folhinhas, no Porto, ou a Livraria da Praça, em Viseu.

Aplicar técnicas da televisão, como introduzir "picos de interesse de três em três minutos", usar acessórios, sejam fantoches ou apenas "várias caixas enfiadas umas nas outras que se vão abrindo sucessivamente até tirar de lá um objecto que tenha a ver com história", são outros dos conselhos.

Uma das maiores tentações dos pais perante um livro de histórias é imitar as vozes dos personagens.

Nada de mais errado, adverte Filipe Lopes: "só deve fazer isso se achar que poderá manter esse ritmo até ao fim e o que acontece muitas vezes é que a partir de determinada altura já não há vozes que cheguem".

Leonor Baeta Neves insiste na necessidade de uma história ser contada sempre da mesma forma, porque "a criança precisa da segurança de saber que as coisas não mudam de um momento para o outro".

Luísa Ducla Soares deixou outro conselho: "para contar uma história, há que saltar para a infância sem perder a experiência de ser adulto, as crianças não gostam de textos e ilustrações feitos por outras crianças, por exemplo".

A escritora sabe do que fala, afinal teve de se tornar uma boa contadora de histórias aos 14 anos, para entreter um irmão mais novo e hiper-activo.

"Se as histórias não fossem boas, ele dava-me pontapés", recordou a rir.

ACL.

Lusa/Fim


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