Ricardo Bordalo, da Agência Lusa
Luanda, 31 Jan (Lusa) - Em 1989, Luanda vivia num vazio cultural e sob o peso do recolher obrigatório resultante da guerra em que Angola estava mergulhada. A associação Chá de Caxinde foi criada nesse ano como resposta a este cenário.
Hoje, 19 anos depois, comemorados na segunda-feira, Chá de Caxinde é não só um nome incontornável na cultura angolana mas também local obrigatório para quem quer respirar e fazer parte do que de melhor se faz em Luanda nos mais variados domínios das artes, do debate e da reflexão.
São famosas as suas segundas-feiras à noite, onde a Banda Maravilha, nome que foi "imposto" pelo público, ocupa o palco. Mas sempre com a porta aberta para os muitos músicos angolanos, e não só, que ali se juntam para ouvir, falar, beber uns copos e tocar ou cantar com a banda residente.
Tito Paris, Paulo Flores, Bonga, Bana, Rao Kyao, são alguns dos nomes que já passaram pelo palco da associação Chá de Caxinde.
Hoje, recorda Jacques dos Santos, 64 anos, fundador da associação, Luanda é uma cidade com múltiplas ofertas culturais. Mas não era assim em 1989, quando, no dia 28 de Janeiro desse ano, reuniu mais oito pessoas, a quem chama de "grupo percurssor", e lançou as bases daquilo que é hoje o Chá de Caxinde.
"Não havia uma editora - hoje existe uma com o nome da associação - não havia livros nas livrarias, teatro, dança... o recolher obrigatório limitava e muito a vida das pessoas. A 28 de Janeiro de 1990, foi assinada a Acta de Proclamação da associação, subscrita por 100 pessoas", lembra Jacques dos Santos, que é escritor e deputado do MPLA.
Actualmente a associação tem 600 sócios, entre estes os escritores Pepetela, criador da frase que serve de azimute ao Chá de Caxinde, "Unir pela Cultura", e Luandino Vieira, que desenhou a "bandeira" da associação. Um dos últimos nomes a entrar para a lista foi o de Marcelo Rebelo de Sousa.
O debate e a reflexão estão também no centro das actividades do Chá de Caxinde. As discussões em torno do arrojado e luxuoso projecto arquitectónico em curso na Baía de Luanda foram ponto alto na vida da associação.
"Somos contra, fomos contra e os nossos debates tiveram importância ao ponto de o projecto inicial ter sido alterado. Para nós, tudo aquilo que descaracterize Luanda é um erro e dizemos sempre o que pensamos", garante.
Mas nem tudo são rosas, ou folhas de caxinde, a planta que permite o chá com o mesmo nome, que, além das suas propriedades relaxantes, simboliza em Angola, onde esta beberagem é consumida de Cabinda ao Cunene, a sabedoria.
E Pepetela, numa curta declaração durante a festa do 19º aniversário da associação, deixou um recado claro: "Aqueles que querem que o Chá de Caxinde acabe, esqueçam. Desistam eles antes porque nós vamos continuar".
Em conversa com a Lusa, o escritor explicou o recado dizendo que "aqueles" que querem acabar com o Chá de Caxinde querem-no porque esta associação "é uma luz em Luanda do ponto de vista cultural", uma casa onde "não há exclusões" e onde "só a cultura, a reflexão e o debate importam".
Também Jacques dos Santos, apesar de ser deputado do MPLA, partido no poder em Angola, garante que a política partidária fica sempre à porta.
E sobre os porquês de alguma desconfiança com que a associação é olhada por "alguns sectores", o fundador da casa lembra que, logo em 1989, "houve quem pensasse que se estava a criar uma espécie de antecâmara de um partido político" no rasto daquilo que sucedia no mundo, a queda do Muro de Berlim e a previsível abertura política no país.
"Estavam errados na altura e estão errados hoje aqueles que não percebem que o Chá de Caxinde nasceu pela cultura, existe e existirá pela cultura", remata.
Nem tudo está feito e há "sonhos" que o Chá de Caxinde quer realizar "em breve". Um deles é inaugurar, com o primeiro concerto em Angola de uma orquestra sinfónica "de grande qualidade", o Nacional Cine-Teatro, edifício que serve, desde 1995, de sede da associação.
Para isso, está a ser preparado um acordo ao abrigo do mecenato cultural com entidades privadas para recuperar em definitivo o edifício do Nacional Cine-Teatro, catalogado pelo Ministério da Cultura como Monumento Cultural e Histórico Nacional.
Objectivo de curto prazo é ainda a criação de uma galeria de arte com qualidade que lhe permita ser uma referência em Angola.