Um manuscrito de 80 mil palavras redigido, em 1942, pelo soldado Raymond Bailey é um testemunho na primeira pessoa de como escapou de uma coluna de prisioneiros de guerra no norte da França em 1940 e conseguiu voltar para a Grã-Bretanha. Este relato foi encontrado numa caixa com cadernos antigos comprados num leilão pelo escritor David Wilkinsnum.
O escritor e historiador amador britânico David Wilkinsnum, de Portland, em Dorset, fez um lance durante um leilão on-line, em 2019, para uma caixa com livros e cadernos da II Guerra Mundial, sem saber exatamente qual seria o conteúdo.
Arrecadado o caixote, Wilkinsnum, que aos 69 anos continua a colecionar diários, acabou por encontrar fotografias, moedas estrangeiras e vários cadernos que um soldado inglês escreveu durante o retorno a casa, em 1942.
“Quando a encomenda chegou, não consegui acreditar na qualidade do que havia dentro da caixa”, conta Wilkinsnum.
Cadernos de Raymond Bailey | David Wilkinsnum
O resgate - da história - do soldado Bailey
Chama-se Raymond Bailey, nasceu em 1919 em Chester-le-Street, Condado de Durham.
A família – que o tratava por Ray – mudou-se para Dunstable durante a infância. O pai encontrou trabalho na Vauxhall Motor Works, perto de Luton.
Aos 21 anos, apanhado no meio da Segunda Guerra Mundial, Ray integrou o Regimento de Kensington, e em maio de 1940 foi enviado para França para reforçar o exército francês.
“Todos estão familiarizados com a retirada de 380 mil tropas aliadas em Dunquerque. Mas poucos sabem que 68 mil soldados britânicos nunca chegaram àquelas praias famosas e ficaram presos quando a França se rendeu”, enquadra David Wilkinsnum. “Quase todos esses homens estavam condenados a viver a guerra em campos de prisioneiros de guerra alemães”, acrescenta.
As tropas aliadas foram forçadas a render-se aos alemães a 12 de junho de 1940 e os 270 homens do Regimento de Kensington foram levados para campos de prisioneiros de guerra, onde permaneceram até maio de 1945.
Porém, o soldado Bailey conseguiu escapar no momento em que era transportado para o campo. Refugiou-se no meio de um campo de milho e em dezembro do mesmo anos, estava em casa, em Dunstable. Durante os dois anos seguintes, Ray não perdeu tempo nem memória. Escreveu um relato completo da sua fuga, dos dias em que ficou sem comida e das pessoas que o ajudaram a esconder-se ou a transitar ao longo do percurso.
Excerto do manuscrito: "Ele olhou para a fotografia e depois para mim e, sem dizer uma palavra, devolveu-a e acenou-me para ir embora. Não precisei que me dissesse segunda vez, eu já estava com o pé levantado há cinco minutos. Eu estava fora!" | David Wilkinsnum
"Acho que qualquer um que olharia para o manuscrito original pensaria - 'as pessoas têm que ler isto'. Estas palavras diz-nos algo sobre a guerra”, argumenta
"O meu pai lutou na II Guerra Mundial. E nós nunca soubemos nada sobre o que ele fez porque não queria falar sobre o assunto", acrescenta, citado na BBC.
"O meu pai lutou na II Guerra Mundial. E nós nunca soubemos nada sobre o que ele fez porque não queria falar sobre o assunto", acrescenta, citado na BBC.
Caixa com os cadernos manuscritos de Ray e outros documentos da Segunda Guerra Mundial, comprada em leilão | David Wilkinsnum
“É por isso que este manuscrito é tão interessante – e pensar que foi escrito por um rapaz que deixou a escola aos 14 anos. Claramente, Ray tinha um dom”, exalta Wilkinsnum
“Eu apostei num modesto lote de leilão e de repente era dono desta fantástica e emocionante história perdida", realçou o historiador.
O historiador amador analizou o manuscrito e entendeu importante não guardar essa memória de Ray só para si. Por isso, publicou o relato em livro sob o título "Blighty or Bust".
O livro foi publicado pela Tartaruga Books. O proprietário, Jim Pollard, reiterou que “esta é uma história incrível - um contributo genuíno à história da Segunda Guerra Mundial".
"Não menos incrível do que a grande fuga de Ray é a descoberta da sua história por David. É que nenhuma editora conhecida se sentiu capaz de levar a história de Ray a um público maior. Nós sentimo-nos privilegiados por termos conseguido fazê-lo. É uma história que precisa ser conhecida", acrescentou Pollard, citado na publicação Luton Today.
"Ray é provavelmente agora o mais jovem soldado da Segunda Guerra Mundial conhecido por ter escrito tão extensamente sobre as suas experiências. As suas memórias podem até ser o mais antigo relato em primeira mão de um soldado sobre a Segunda Guerra Mundial a ser escrito”, rematou Wilkinsnum.
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