Brigitte Perenyi, de escrava num santuário do Gana a produtora premiada

por Lusa

Lisboa, 21 abr 2019 (Lusa) -- Com sete anos, Brigitte Perenyi foi retirada à família, no Togo, e tornada escrava num santuário no Gana. Duas décadas depois, tornou-se numa premiada produtora de documentários, que elegeu como missão contar histórias de África.

Brigitte Perenyi, 29 anos, produtora e apresentadora de documentários, saltou pela primeira vez para as manchetes mundiais pela mão da jornalista da CNN Christiane Amanpour. A jovem tinha então apenas sete anos, vivia como escrava num santuário no Gana, um dos locais onde Amanpour filmou uma reportagem para o programa 60 Minutes.

A reportagem abordava o fenómeno conhecido como "trokosi", uma crença ancestral em algumas comunidades da região da África Ocidental, que prevê que raparigas, muito novas e virgens, sejam entregues em santuários em sacrifício para reparação de faltas cometidas por um familiar.

No caso de Brigitte, o pecado foi a infidelidade de um tio, que convenceu os pais da jovem a deixarem-na ir com ele para a capital do Togo, Lomé.

"Passei três dias na sua casa de depois fui traficada para o Gana para um santuário para me tornar escrava dos deuses", recordou Brigitte em entrevista à agência Lusa.

No santuário, o dia de Brigitte começava às cinco horas da manhã. Sem ir à escola, fazia todo o tipo de tarefas pesadas para uma criança de 7 anos, desde limpar, cozinhar e ir buscar água.

A pouca idade salvou-a de ser violada, mas o destino de passar a vida a servir padres e deuses parecia traçado, até que, na sequência da reportagem da CNN, Brigitte foi libertada e adotada por uma família norte-americana.

"Cresci nos Estados Unidos, mas sempre soube que tinha família em África e queria voltar para encontrar sentido no que me aconteceu enquanto criança", adiantou.

"Cresci com muitas perguntas na cabeça e isso estava, literalmente, a dar-me enxaquecas. Por isso, queria encontrar respostas para estas perguntas e regressei a África para encontrar a minha aldeia e a minha família e para ter essa conversa com eles", acrescentou.

Para Brigitte, o mais importante é perceber a responsabilidade dos pais no que lhe tinha acontecido. A jovem lembrava-se de ser a "menina do papá" e não lhe fazia sentido que os pais a tivesses entregue ao tio sabendo do seu destino.

O regresso e o reencontro com a família resultaram no seu primeiro documentário "My Stolen Childhood" (A minha infância roubada), distinguido como Melhor Documentário na categoria Interesse Humano da Association International Broadcasting (AIB).

No documentário, transmitido pela televisão BBC, Brigitte conta em detalhe a sua experiência, o reencontro com os pais e o confronto com a realidade de que tinham sido enganados pelo tio, e procura saber mais sobre uma crença religiosa que teve tanto impacto na sua vida.

A jovem realizadora e produtora vive agora no Gana, onde se dedica a produzir "documentários e filmes que ajudem a influenciar a narrativa sobre África".

"Têm de ser os africanos a contar as histórias de África. Temos de ser nós a moldar a narrativa sobre África, os africanos e os problemas que enfrentamos no continente", sustentou.

Dá como exemplo as abordagens sobre o fenómeno do "trokosi", de que foi vítima.

"Vemos o "trokosi" abordado por muitos ocidentais e é sempre descrito como uma prática bárbara que deve ser abolida. Mas uma prática como esta, vai levar tempo a erradicar. É preciso mudar a forma de pensar das pessoas, é preciso trabalhar de perto com quem está a fazer essa prática e compreender as suas crenças", disse.

Na sequência do seu caso, a prática foi ilegalizada no Gana e mais de 3 mil mulheres e raparigas foram libertadas, mas, assegura Brigitte, o "trokosi" continua a existir "às escondidas".

"É ilegal, mas ainda acontece porque está classificada como prática religiosa e na Constituição há liberdade para praticar a religião", apontou.

"É uma questão conflituante e muito complexa porque estamos a lidar com a religião e a fé. A erradicação do "trokosi" não vai acontecer do dia para a noite e sobretudo não vai acontecer por qualquer imposição do estrangeiro", considerou.

Por isso, "a sua paixão" é abordar estes temas "com significado e de forma impactante" com uma perspetiva de ligação "mais próxima às comunidades" para conseguir "fazer a diferença".

Em 2017, Brigitte voltou a encontrar-se com Christiane Amanpour para uma entrevista, durante a qual refletiu sobre a sua jornada de regresso a África e a necessidade de criar ambientes seguros para as jovens raparigas poderem triunfar.

Em novembro de 2018, a BBC fez uma reportagem sobre a jovem para a sua série sobre as 100 Mulheres em todo o mundo.

A jovem tornou-se também numa voz pela necessidade de humanização das histórias individuais das vítimas de abuso e violência pelos media, bem como contra a escravatura e o trabalho infantil.

CFF // PJA

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