Vinte e cinco anos depois de morrer, o dramaturgo e psiquiatra Bernardo Santareno, continua a ser considerado um dos grandes nomes do teatro português do século XX, mas tem também muitos admiradores entre os seus antigos doentes.
"Ele arranjava-nos bilhetes de teatro e incentivava- nos a ter boas maneiras em sociedade, contou à Lusa uma das pacientes.
Bernardo Santareno - pseudónimo de António Martinho do Rosário - morreu no dia 29 de Agosto de 1980, com 59 anos.
Era formado em psiquiatria pela Universidade de Coimbra e entre as suas obras mais conhecidas figuram "O Judeu", "Português, Escritor, 45 anos de Idade" e "Os Marginais e a Revolução.
"Ele era feio, mas o que tinha de feio tinha de bondoso", recorda Donzelica Martins, uma das suas antigas pacientes, a residir em Faro, no Algarve.
Donzelina conheceu Santareno aos 16 anos, quando teve de enfrentar a perda contínua da visão. Foi no Centro de Reabilitação Raquel Martini Chaine (Lisboa), um local que formava cegos e amblíopes nas actividades diárias.
"A primeira vez que entrei na sala da consulta do Chaine, Bernardo Santareno esteve a olhar-me durante dez minutos. Depois passou um avião e falou pela primeira vez", diz Donzelica Martins, 50 anos.
O "seu psiquiatra" preparou-a para desmistificar, na vida quotidiana, a frase "coitadinha da ceguinha", explicou Donzelica, comentando que um traço da personalidade do escritor era vincado com a forte defesa da etiqueta e boas maneiras em sociedade.
"O Bernardo Santareno era dócil comigo e alimentou o meu hábito de ir para a rua e estar sempre fina em sociedade", conta Donzelica.
"às vezes perguntava-me onde ia tão bonita e eu respondia: "para lado nenhum! Só se me convidar para jantar fora", relata Donzelica Martins. E "ele aceitava", acrescenta com uma saudade que se sente na voz trémula.
"Foi o Bernardo Santareno que um dia me apresentou ao poeta português Ary dos Santos", lança ainda a antiga doente do escritor e psiquiatra, acrescentando que o médico tinha uma "grande capacidade para levar o doente a desabafar os seus medos mais recônditos".
Donzelica Martins comenta ainda que Bernardo Santareno sofria muito de um rim - era insuficiente renal - e que fazia uma espécie de "lavagem ao cérebro" dos pacientes para enfrentarem os medos e direitos, tendo - contudo - sempre em conta as limitações da cegueira.
A reivindicação do direito à diferença e o respeito pela liberdade e a dignidade do homem face a todas as formas de opressão foram, aliás, os temas mais fortes das suas peças.
Medicina à parte, o escritor iniciou a carreira literária com as obras poéticas "A morte na Raíz" (1954), "Romances do Mar"(1955) e "os Olhos da Víbora" (1957).
A religião, o erotismo, a marginalização moral ou a intervenção política com relatos da ditadura salazarista são outros dos assuntos tratados nos textos de Bernardo Santareno, um dos intelectuais mais solicitados após a Revolução do 25 de Abril.
"O Judeu" (1966) onde retrata o calvário do dramaturgo setecentista António José da Silva, queimado pelo Santo Ofício, ou "Português, Escritor, 45 anos de Idade" (1974), um drama impregnado de conotações autobiográficas e o primeiro original português a estrear- se no pós 25 de Abril, são outras das obras de Santareno.
No ano em que se assinalam os 25 anos da morte do dramaturgo português nascido em Santarém e falecido em Lisboa, a Sociedade Portuguesa de Autores lançou o prémio pioneiro "Bernardo Santareno - Novos Dramaturgos", que galardoa peças inéditas e portuguesas de dramaturgos com menos de 35 anos.