Artista Irineu Destourelles diz que passado colonial "continua a ser reproduzido"

por Lusa

A obra do artista visual cabo-verdiano Irineu Destourelles, que hoje inaugura uma exposição, em Lisboa, reflete preocupação com a forma como o passado colonial afetou a sociedade, e continua a ser "reproduzido e replicado" em comportamentos e narrativas.

A exposição tem como título "Subtitulizar", e apresenta quatro vídeos realizados especificamente para esta mostra, que hoje é inaugurada às 18h30, no Espaço Projeto da Fundação Calouste Gulbenkian, com curadoria de Rita Fabiana.

Numa visita guiada à exposição, que abre ao público na sexta-feira, questionado pela agência Lusa sobre as suas reflexões em relação ao passado colonial, muito presente na sua obra, Destourelles disse que não lhe interessa tanto a questão das culpas.

"Essa questão é importante, mas o que me interessa mais é conhecer o que se passou, como nos afeta, o que está a ser reproduzido, replicado, apropriado, e a forma como estamos a lidar com isso. É isto que deveríamos repensar", disse.

Os quatro vídeos inéditos contêm uma reflexão crítica e poética da "experiência violenta da diáspora", e traduzem a experiência pessoal do artista, natural da ilha de Santo Antão, em Cabo Verde, a viver e a trabalhar entre Edimburgo e Londres.

"Para mim era importante fazer uma exposição em que refletisse a minha vivência em Lisboa. Eu quis comunicar algo sobre ter crescido aqui, e, na altura, não via referências em relação ao meu passado mais próximo, cabo-verdiano", disse, sobre as décadas de 1980 e 1990.

O artista recordou que foi "um período em que Portugal estava a tentar tornar-se europeu, com a entrada na Comunidade Económica Europeia, e os artistas portugueses a tentar entrar num sistema global", recordou.

"A minha perceção é que se virou um pouco as costas ao passado colonial português. Foi um período de trauma, um pouco como aconteceu com a Alemanha, depois da II Guerra Mundial", avaliou.

O artista disse ainda à Lusa: "Como vamos lidar com o passado recente, essa é a questão mais importante para mim. Agora as pessoas estão a lidar de forma mais construtiva e crítica sobre o passado colonial".

"Vivemos numa sociedade que tem determinadas narrativas que se reproduzem. A sociedade colonial também as tinha, e eram profundamente opressivas, mas o colonizado acabou por incorporar e reproduzir essas mesmas narrativas", reiterou.

Estas ideias são exploradas nos quatro vídeos, onde estão patentes aspetos dessa perpetuação de práticas e valores coloniais, e o seu impacto na formação das relações sociais e de poder.

Irineu Destourelles trabalha no cruzamento entre a imagem em movimento e a escrita, pontuada pelo desenho e pela pintura.

Duas das obras são acompanhadas por textos que misturam várias referências, desde as letras de canções pop portuguesas dos anos 1980 e 1990, até discursos do político e guerrilheiro angolano Jonas Savimbi, líder histórico da UNITA, e investigações sobre a doença mental.

O nome da exposição constitui um neologismo criado pelo artista que evoca a habitual presença dos subtítulos (legendas) em português nos filmes estrangeiros, no cinema e na televisão, "uma memória nostálgica dos tempos da infância".

"Paisagem ex-colonial com diferentes filtros", "Cento e duas casas a arder", "Forças sobrenaturais, doença mental e detalhe interior", "Várias maneiras de cair organizadas diferentemente" são os títulos das quatro obras em vídeo.

Irineu Destourelles estudou na Willem de Kooning Akademie, em Roterdão, na Holanda, e no Central St. Martin`s College of Art and Design, em Londres, no Reino Unido.

"Subtitulizar" vai estar patente até 06 de janeiro 2020, no Museu Calouste Gulbenkian, Coleção Moderna - Espaço Projeto, com entrada livre.

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