O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, admite a possibilidade de ser impugnado o Programa de Apoio Sustentado da Direção-Geral das Artes (DGArtes), devido às “fragilidades” do concurso e aos “erros técnicos de avaliação”, apontados por muitas companhias.
A Câmara do Porto aprovou esta quarta-feira, por unanimidade, a moção consensualizada com 66 agentes culturais da cidade com vista a "rever as verbas e o sistema" do Programa de Apoio Sustentado 2018-2021 da DGArtes. Os resultados provisórios do concurso garantem apoio estatal a 50 candidaturas na área do teatro, deixando de fora 39 estruturas, como o Teatro Experimental do Porto, a Seiva Trupe, o Festival Internacional de Marionetes ou o Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica.
"Não vejo muito bem como dar a volta a isto. Se o modelo começa com um 'pecado original' depois é mais difícil de resolver. Não me parece que seja apenas com dinheiro que isto possa ser resolvido", observou Rui Moreira.
Na reunião camarária, Rui Moreira explicou ter optado por não assinar o documento subscrito pelas estruturas culturais para que o executivo assumisse hoje uma posição conjunta, acabando por conseguir unanimidade relativamente à reclamação de mais financiamento e às críticas sobre os critérios territoriais do programa, que "prejudicam invariavelmente o Norte".
No documento refere-se que o presidente da Câmara do Porto "ouviu formalmente as companhias da cidade sobre os financiamentos quadrianuais da DGArtes", tendo as estruturas e a autarquia concordado em "várias matérias".
No ponto 1, a moção refere que "as verbas disponibilizadas pela DGArtes são insuficientes e, mesmo com os reforços anunciados nos últimos dias, continuam aquém das de 2009".
Moreira explicou que "a referência a 2009 diz respeito à data do último concurso".Pizarro apoia Moreira
Manuel Pizarro, vereador do PS, apoiou "inteiramente a posição do presidente da Câmara", notando existir no concurso "um problema de subfinanciamento que condiciona toda a avaliação".
"Ainda que não houvesse esse problema, o concurso está mal construído em muitos pressupostos, desde logo no equilíbrio regional. Há uma verba para a Área Metropolitana de Lisboa mas depois não há para a do Porto", criticou.
Para o socialista, é "difícil perceber que, depois de ano e meio a preparar o concurso, ele apareça até com erros do ponto de vista técnico".
"O ideal seria partir do zero. Mas voltar ao início seria uma situação insustentável para a produção cultural", observou o vereador do PS.
Pizarro defendeu "manter a pressão porque cabe ao Governo encontrar solução para um problema que criou".
"Cabe-nos ajudar a resolver o problema. Passa certamente por mais financiamento, mas não chega colocar mais dinheiro. É preciso também um bocadinho de mais engenho técnico e político", vincou.
Para o socialista, "a questão não é só assegurar sobrevivência das companhias, mas uma produção artística plural".
PSD concorda “no essencial”
O vereador do PSD Álvaro Almeida disse concordar "no essencial" com o documento, criticando "a referência a 2009, ano em que o país estava na bancarrota".
"O ano de 2009 é aquele que, do ponto de vista orçamental, não se deve repetir", observou, destacando a necessidade de a Câmara se "opor muito perentoriamente" à diferenciação por regiões das dotações do concurso.
"Problema é central”
A vereadora da CDU, Ilda Figueiredo, considerou que o problema de financiamento "é central".
"O meu partido (PCP) defendeu no orçamento (do Estado) que a verba subisse de 17 milhões de euros para 25 milhões. Se isso tivesse acontecido certamente não estávamos a viver este problema", afirmou.
Para a comunista, "esse valor teria dado cobertura à generalidade das pretensões das associações".
"Num momento em que há tanto dinheiro, até para cobrir os défices da banca, não se entende que não haja mais sete milhões de euros para a cultura. A questão do financiamento é de facto central e temos de insistir muito nisso", disse.
Ilda Figueiredo referiu que "não se entendem alguns critérios", nomeadamente "a razão de ser de se considerarem inelegíveis grupos de teatro (conhecidos) há dezenas de anos e que têm um papel fundamental na vida da cidade".
Moção aprovada por unanimidade
Na reunião camarária pública, todos os vereadores (sete da maioria do independente Rui Moreira, quatro do PS, um do PSD e uma da CDU) votaram a favor do documento assinado pelas 66 estruturas culturais que, na terça-feira, no teatro Rivoli, participaram na reunião convocada pelo presidente da Câmara do Porto para analisar os resultados daquele programa da DGArtes.
A moção refere ainda que "os critérios territoriais apresentados não são compatíveis nem com a distribuição populacional nem com a produção cultural".
"Prejudicam invariavelmente o Norte, que inclui a Área Metropolitana do Porto - que compara em população e produção cultural com a de Lisboa - e cidades como Braga, Guimarães ou Famalicão", lamenta-se.
"A distribuição de verbas à Região Norte deveria, no mínimo, acompanhar o investimento per capita da Área Metropolitana de Lisboa", acrescenta-se no documento.Os concursos ao Programa de Apoio Sustentado às Artes 2018-2021 abriram em outubro, com um valor global de 64,5 milhões de euros.
A moção refere ainda que "os critérios dos concursos estão mal definidos, por porem em concorrência estruturas de programação, unidades de criação e festivais", para além de "permitirem que projetos municipais, sob a capa de associações e cooperativas, concorram com as companhias independentes".
Câmara e agentes culturais concordam também com "a necessidade de repensar a composição dos júris e também ponderar a pertinência de existir uma divisão regional dos mesmos".
"Não se consegue entender que um país que se orgulha de ter saído de um programa de assistência financeira e pode hoje apresentar boas contas orçamentais, baixe os níveis de financiamento aos seus produtores culturais. É razoável pensar-se que um país com boas contas possa disponibilizar para a Cultura, ao menos, um por cento do seu orçamento de Estado, estando Portugal muito aquém", alertam.
A autarquia e as estruturas da Cultura consideram que "os montantes disponíveis para a região Norte, os critérios usados nos concursos e os resultados já conhecidos põem, na prática, em risco o programa cultural da cidade do Porto".
"Não pode a dinâmica cultural que atualmente é reconhecida ao Porto graças à aposta municipal que iniciou em 2014 servir como pretexto para o seu subfinanciamento estatal", observam.
"Os presentes congratulam-se com a abertura do Ministro da Cultura para rever as verbas e o sistema e estão disponíveis para ajudar a DGArtes nesse processo", conclui o documento.
Sector pede apoio de 25 milhões de euros
O Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos quer uma dotação imediata do Governo de 25 milhões de euros para apoiar o sector.
Os trabalhadores vão também pedir uma reunião ao primeiro-ministro e à comissão parlamentar de Cultura.
Depois das explicações dadas na última noite pelo Secretário de Estado da Cultura, André Albuquerque, do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos, disse que a atual situação das artes não se resolve com remendos.
Para sexta-feira, ao final da tarde, estão agendados vários momentos de protesto dos trabalhadores do sector das artes.
Perante esta polémica, António Costa quis ouvir diretamente o ministro e o secretário de Estado sobre a vaga de protestos.
António Costa convocou o ministro e o secretário de Estado da Cultura. O primeiro-ministro quer acompanhar o processo relativo à aplicação do programa de apoio às artes, que está a ser contestado nos meios artísticos.
As companhias de teatro pedem mais transparência e falam em mão criminosa por parte do governo.
Situação insustentável
A atriz São José Lapa, em nome de uma plataforma de profissionais ligados à cultura, afirma que a situação dos artistas é insustentável e pede uma audiência urgente ao primeiro-ministro.
“Atenção, doutor António Costa. Nós queremos ser como os outros da Europa, pessoas que gostam de trabalhar e ter prazer em trabalhar, e não andar a pedir e estender a mão à esmola”, afirmou a atriz à rádio TSF.
“Portanto, eu gostava que a população portuguesa pudesse perceber que nós temos de ter dinheiro para pagar a renda da casa, temos de ter dinheiro para comer, temos de ter dinheiro para viver, para educar os nossos netos”, acrescentou.
Para a atriz, “só num país atrasadíssimo como o nosso é que uma pessoa trabalha num banco e ganha o seu ordenado, os bancos ganham uma quantidade de ordenados, porque vieram-nos ao bolso por uma quantidade de erros de estava à frente do Banco de Portugal e das próprias instituições das corrupções que aqui se passam, e os desgraçados da cultura são miseravelmente miseráveis".
c/ Lusa