Às críticas ouvidas nos últimos dias, a propósito da distribuição de verbas do Programa de Apoio Sustentado da Direção-Geral das Artes, o ministro da Cultura pode agora somar as posições da esquerda parlamentar e do CDS-PP. A coordenadora do BE, Catarina Martins, denunciou esta terça-feira “erros muito graves”, reclamando mesmo o regresso a valores de há nove anos.
No sábado, um grupo de agentes do teatro esteve reunido em Lisboa para contestar a gestão deste dossier, anunciando o advento de uma plataforma de protesto, além da intenção de solicitar uma audiência com o primeiro-ministro.O Governo anunciou no passado sábado um reforço das verbas até 2021 para os 72,5 milhões de euros.
Em declarações à RTP, na segunda-feira, o titular da pasta da Cultura afiançava que, para a área do teatro, o Programa da Direção-Geral das Artes (DGArtes) contaria com um reforço de 900 mil euros anuais até 2021.
Luís Filipe Castro Mendes explicou que, do reforço anunciado durante o fim de semana, na ordem dos dois milhões de euros, 45 por cento caberiam ao teatro, 23 por cento à música e aos denominados “cruzamentos disciplinares” e outros nove por cento às artes visuais.
O governante quis ainda garantir que o seu gabinete “não deixará cair estruturas que, quer pela sua história, quer pelo seu passado, quer pela atividade que têm hoje, e pela renovação que têm sabido fazer, merecem apoio”. Assegurou também que “o Governo, o ministro, o secretário de Estado” estarão dispostos “a repensar o modelo” de apoio.
No flanco mais à esquerda da maioria parlamentar que suporta o Governo de António Costa, as últimas tomadas de posição da tutela não encontram aplausos. Para a coordenadora do Bloco de Esquerda - partido que, tal como o PCP, já pediu para ouvir na Assembleia da República quer a diretora-geral das Artes, Paula Varanda, quer o ministro -, “o Ministério da Cultura fez erros muito graves este ano”.
“É bom que o ministro da Cultura reconheça o erro, é grave que tenha errado e devia ter prevenido”, afirmou esta terça-feira Catarina Martins, para quem a resposta só pode passar por “mais financiamento, mais dotação financeira” – a níveis de 2009.
“Lembro que para toda a cultura é 0,2 por cento, o que arredondado dá zero”, apontou a dirigente partidária, acrescentando que o Governo não precisa de “inventar a roda”.
DGArtes secunda ministro
Por sua vez, a líder do CDS-PP constatou o que descreveu como “frustração grande das expectativas criadas junto dos agentes culturais”.
“Naturalmente, há aqui uma frustração grande das expectativas criadas junto dos agentes culturais que, uma vez ultrapassada a crise, uma vez ultrapassado o tempo da troika, uma vez proclamado o fim da austeridade, tinham a legítima expectativa de ter mais apoio, mas, por outro lado, também da forma como os concursos foram feitos”, reagiu Assunção Cristas.
Também esta segunda-feira, a Direção-Geral das Artes emitiu um comunicado que veio reforçar, na prática, as declarações do ministro Castro Mendes à estação pública. Ou seja, a confirmar que o sector do teatro vai poder contar com 45 por cento do reforço de verbas no âmbito do Apoio Sustentado.Entrevistado pela agência Lusa, o diretor do Teatro Experimental de Cascais, Carlos Avilez, manifestou-se “perplexo” com a exclusão da sua instituição dos subsídios da tutela. “De repente acaba-se com o TEC? É uma coisa absurda. Uma coisa que em 52 anos nunca ninguém se atreveu a fazer”, vincou.
A distribuição de montantes, sustenta a DGArtes, “resulta do elevado número de candidaturas consideradas elegíveis pelas comissões de apreciação para as quais, por limitações nas dotações, não foi possível atribuir financiamento”.
“O número de candidaturas consideradas elegíveis pelas comissões de apreciação (candidaturas com pontuação mínima de 60 por cento em cada critério) evidenciou o diferencial entre os montantes solicitados (das candidaturas elegíveis) e as dotações disponíveis nalguns dos concursos”, escreve a estrutura.
“Nenhum concurso deverá ter mais de 45 por cento do montante global dos concursos (mantém-se a regra subjacente à distribuição inicial por concurso), com exceção do concurso de apoio à dança, uma vez que foram atribuídos 74 por cento dos montantes elegíveis, muito superior aos demais concursos”.
O circo contemporâneo e as artes de rua constituem também exceção, dado que “se trata de uma área nova a concurso”.
O período de candidaturas ao Programa de Apoio Sustentado teve início em outubro com uma dotação de 64,5 milhões de euros para o quadriénio 2018-2021 para seis domínios – circo contemporâneo e artes de rua, dança, artes visuais, cruzamentos disciplinares, música e teatro.
Os resultados provisórios do processo deixam sem financiamento companhias como o Teatro Experimental do Porto e a Seiva Trupe, ou Teatro Experimental de Cascais. Tal como acontece, de resto, com o Centro Dramático de Évora e a Escola da Noite e O Teatrão, de Coimbra, ambas profissionais. Entre os projetos excluídos figuram ainda Cão Solteiro, Bienal de Cerveira e o Chapitô.
Ainda de acordo com os dados da DGArtes, foram admitidas 242 das 250 candidaturas “para uma distribuição regional máxima de 45 por cento para cada região”: Norte, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo, Algarve e as estreantes regiões autónomas da Madeira e dos Açores.
“Disparidades”
É precisamente na distribuição geográfica dos apoios que o presidente da Câmara Municipal do Porto, outra das vozes críticas das decisões da Direção-Geral das Artes, encontra matéria para reprovar.
O CENA-STE, Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos, a Rede - Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea, a Plateia - Profissionais Artes Cénicas e o Manifesto em Defesa da Cultura já agendaram, em conjunto, ações de protesto para a próxima sexta-feira.
“Preocupou-nos, desde a abertura do concurso, os termos territoriais que servem de base aos critérios distributivos, assim como as disparidades entre os montantes disponíveis para os diferentes territórios”, escreveu Rui Moreira em carta entregue a 23 de março ao ministro da Cultura e divulgada na manhã desta segunda-feira durante uma reunião, no teatro Rivoli, com entidades culturais do Porto “amplamente prejudicadas pelos resultados” do Programa de Apoio Sustentado.
O autarca estranha, em concreto, “que a Área Metropolitana de Lisboa surja no concurso enquanto região, por direito próprio - em competição com o Norte, o Centro, o Alentejo, o Algarve, e as regiões Autónomas - e invariavelmente em situação de gritante vantagem”.
“Em alguns casos, esta beneficia, à partida, de verbas superiores em 50 por cento ou até mesmo 100 por cento face ao Norte”, assinala Rui Moreira.
Os artistas da Invicta, insiste o presidente da Câmara, “concorreram injustamente contra grandes estruturas de programação de vários municípios. Estas estruturas gerem, em muitos casos, equipamentos municipais e estão, por isso, dotadas de financiamento público”.
Rui Moreira considera mesmo tratar-se de um caso de duplo financiamento público. E lamenta “o impacto do atraso na saída dos resultados de um concurso que é lançado com dois anos de hiato face ao anterior”.
O Presidente da República já indicou que tenciona reunir-se com autarcas, companhias de teatro e com o Governo. Marcelo Rebelo de Sousa diz que só depois tomará posição.
c/ Lusa
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