A poeta e ensaísta canadiana Anne Carson, distinguida em Espanha com o Prémio Princesa das Astúrias para as Letras 2020, tem dois livros editados em Portugal, "A beleza do marido" e "Autobiografia do Vermelho".
Considerada pelo júri do prémio um dos "mais destacados escritores do presente", que "atingiu níveis de intensidade intelectual e solvência que a colocam entre os mais destacados escritores" da atualidade, a poeta, ensaísta, tradutora e professora de clássicos canadiana, que completou no domingo 70 anos de idade, permanece praticamente ausente do mercado livreiro português.
Multipremiada e com vasta bibliografia, está representada em Portugal por dois títulos publicados pela (não) edições, na sua coleção Traditore: "Autobiografia do Vermelho", publicado em 2017, com tradução de João Concha e Ricardo Marques, e "A beleza do marido", publicado em 2019, traduzido por Tatiana Faia.
"Autobiografia do Vermelho" (publicado originalmente em 1998) é um "romance em verso" levemente baseado no episódio da mitologia grega relativo ao décimo trabalho de Hércules, no qual este semideus tem de matar um monstro alado vermelho, que vive numa ilha vermelha, a pastorear gado vermelho.
Anne Carson, que é professora de Estudos Clássicos e tradutora de Grego Antigo, pegou no poema fragmentário "Gerioneida", escrito em grego antigo pelo poeta lírico Estesícoro, que narra a morte de Gerião às mãos de Hércules (Héracles, no original grego), e recontou-o numa versão contemporânea.
O Gerião do seu romance em verso é um rapaz abusado sexualmente pelo irmão mais velho e com uma mãe demasiado fraca para o proteger, que revela o seu espírito frágil e atormentado numa autobiografia iniciada aos cinco anos de idade.
À medida que cresce, Gerião escapa ao perturbador contexto familiar, encontrando consolo atrás da sua máquina fotográfica e nos braços de um jovem amante chamado Héracles.
"A beleza do marido" é um ensaio ficcional em 29 tangos, como lhe chama a própria autora, que tem como ponto de partida a noção de Keats (poeta inglês do século XIX), sobre a verdade e o poder da beleza.
Publicado originalmente em 2001, este ensaio está repleto de referências à Antiguidade Clássica, constituindo também um relato poético sobre um antigo amor que dá lugar a um casamento falhado: um tango que pode ser dançado até ao fim.
Anne Carson foi distinguida na quinta-feira, em Oviedo, com o Prémio Princesa das Astúrias para as Letras 2020, tendo o júri considerado que, a partir do estudo do mundo greco-latino, a premiada "construiu uma poética inovadora onde a vitalidade do grande pensamento clássico funciona como se se tratasse de um mapa que convida a esclarecer as complexidades do momento presente".
"O seu trabalho mantém um compromisso com a emoção e o pensamento, com o estudo da tradição e com a renovada presença das Humanidades como forma de alcançar uma melhor consciência do nosso tempo", acrescenta o júri que a escolheu entre as 28 candidaturas de 17 nacionalidades que se apresentaram.
Nascida em Toronto (Canadá), a 21 de junho de 1950, é professora de Literatura Clássica e Comparada na Universidade do Michigan (Estados Unidos da América).
Anne Carson conta que uma edição bilíngue dos poemas de Safo que encontrou numa livraria mudou "a sua vida para sempre".
"A visão das duas páginas sobrepostas, uma delas com um texto impenetrável, mas de grande beleza visual, cativou-me e comprei o livro", afirmou Anne Carson, por ocasião da atribuição do prémio.
Aliás, a autora doutorou-se em 1986 com uma tese sobre Safo, em St. Andrews (escócia), onde terminou os estudos.
Anne Carson é especialista em cultura e línguas clássicas e em literatura comparada, antropologia, história e publicidade e, segundos os críticos, "um dos mais requintados e eruditos escritores da literatura contemporânea, bem como autora de uma obra hipnótica, na qual funde estilos, referências e formatos, e aposta pelo híbrido entre o greco-latino, o medieval e o contemporâneo".