Vendedores informais de Maputo têm de escolher entre a fome e a doença

por Lusa

Joana Angélica, 37 anos, volta a abrir hoje a improvisada banca de legumes em Magoanine, subúrbios de Maputo, mas desta vez está com "a cabeça entre a fome e a doença", devido à ameaça da doença respiratória covid-19.

"Não sou parva, sei que está a acontecer algo grave em todo o mundo e no meu país, mas se fico em casa, morro à fome, porque vivo disto e alimento os meus filhos sozinha há muitos anos", diz Joana Angélica.

A vendedora informal fala à Lusa sobre os riscos de continuar a vender numa banca improvisada ao lado de uma paragem de autocarros apinhada de passageiros, face à ameaça de propagação da pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Mãe solteira de três filhos, o rendimento diário da venda de legumes que adquire no mercado grossista do Zimpeto, em Maputo, é todo usado para a compra de alimentação e não resta margem para poupança.

"Não saio daqui com mais do que dois mil meticais (27 euros) e com esse dinheiro tenho de voltar ao Zimpeto para comprar produtos para o dia seguinte e pagar todas as minhas despesas", explica.

Após anos de negócio na rotunda de Magoanine, a cerca de 10 quilómetros do centro de Maputo, sente que agora está a vender com "a cabeça" entre a fome que vai passar, se tiver de ficar em casa, e um grande receio: "a morte por coronavírus" ao arriscar continuar a vender na rua.

Verónica Zunguza diz que vive tempos de desespero porque receia apanhar o novo coronavírus na paragem de autocarros da Praça da Juventude, em Maputo, onde vende fruta num pedaço de saco estendido no chão e ao ar livre.

Mas, por outro lado, dá-lhe um aperto no coração só de pensar em encarar os filhos todos os dias sem nada para lhes dar de comer.

"Que faço? Fico em casa à espera que o `corona` me encontre a mim e aos meus filhos já mortos à fome ou vou à praça vender e esperar que Deus me proteja dessa doença", pergunta Verónica Zunguza.

Como muitos rapazes que migram das zonas rurais para os principais centros urbanos de Moçambique, Venâncio Quissico vende na rua recargas de telemóvel que compra nas lojas e se tiver de ficar em casa, não terá o que comer.

"Vivo em casa de uma tia doente e se paro de vender recargas não sei o que hei de comer, porque o que ganho nunca deu para poupar nem para um fim de semana", afirma Quissico.

O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), uma organização da sociedade civil moçambicana, considera que milhares de famílias podem passar fome caso haja uma medida de confinamento em casa para prevenir a propagação da doença respiratória covid-19, porque dependem do comércio informal.

A organização propôs que se estude a introdução de uma cesta básica para as famílias de trabalhadores informais.

Para já, o estado de emergência anunciado pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, não prevê medidas de confinamento, mas apenas de limitação à circulação.

O chefe de Estado referiu que a implementação de medidas como o recolher obrigatório depende da evolução das infeções no país e do cumprimento das restrições agora anunciadas.

Moçambique tem oito casos oficialmente registados, sem mortes.

O número de mortes em África subiu para 173 nas últimas horas, com os casos confirmados a ultrapassarem os 5.000 em 47 países, de acordo com as mais recentes estatísticas sobre a doença no continente.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 791 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 38 mil.

Dos casos de infeção, pelo menos 163 mil são considerados curados.

Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.

 

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