Como os controlar estes sentimentos? Serão eles um meio de defesa subconsciente ou um estado emocional prejudicial?
Américo Baptista, licenciado em Psicologia pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada e doutorado em Ciências Biomédicas pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, trabalha há muito com estes temas e, em conversa com a RTP, afirma que o medo é uma função cognitiva perfeitamente natural, que se pode manifestar em qualquer altura, só que pode ser potenciado por algo perigoso e que não se vê, como é o caso do coronavírus responsável pela Covid-19.
"Nós habitualmente temos medo de cães, de gatos, de animais de uma serie de coisas, mas podemos os evitar. O problema desta situação é que na verdade a ameaça é invisível. E portanto temos muito mais medo", refere o psicólogo
Mas o que é na verdade o medo? O medo é uma sensação que está ligada a um estado em que o organismo se coloca em alerta, diante de algo que acredita ser uma ameaça.
Estará a população portuguesa a conseguir controlar os seus medos, num período em que as ordens são para ficar em casa? Américo Baptista, também em confinamento, olha para o mundo exterior pela comunicação social e o seu sentimento é o de que “Portugal está a lidar com as coisas de um modo aceitável”.
Os media na criação de (in)segurança
Acordamos para mais um dia e abrimos as janelas. Ao ver o Sol, ainda com os olhos meio despertos pensamos: "Que dia bonito."
Mas ao ligarmos a televisão ou o rádio, as notícias empurram-nos para uma outra realidade, mais cinzenta, em que os temas convergem para um único ponto, a pandemia do novo coronavírus.
Mesmo sabendo que as ordens são para ficar em casa, por motivos de segurança sanitária, as notícias provenientes da comunicação social ou difundidas pelas redes sociais, muitas destas de credibilidade dúbia, transmitem um sentimento de perda e de insegurança, por mais positivas que sejam.
O psicólogo Américo Baptista explica à RTP que os jornalistas têm um papel social e fundamental e não é pelo medo que se consegue que as pessoas se tornem mais previdentes ou seguras,
"O medo simplesmente vai fazer com que as pessoas fiquem mais retraídas. Não é pelo medo que nós vamos fazer com que a população tenha uma reação exagerada a esta pandemia. Não é pelas emoções negativas, pois elas estreitam o nosso pensamento", diz.
O medo também é viral
"O ser humano não é escravo das emoções". Algo que parece fácil de dizer e muito difícil de concretizar. Mas a solução, explica o psicólogo Américo Batista, está na forma como decidimos as ações e atitudes a adotar.
O psicólogo dá um exemplo muito simples: "Se eu, em casa, mostrar uma expressão de muito assustado, eu transmito estes medos à minha família e aos meus filhos. Algo que não devemos fazer".
O especialista em questões ligadas ao medo refere que as crianças são aquelas que mais sentem e rececionam as atitudes e acções dos mais velhos, chegando mesmo e de forma inata a sentir o medo transmitido por feromonas emanadas pelos adultos, rececionadas pelo olfacto. O que dá lugar a ansiedade
E mesmo que tenha muita vontade de sair a rua, desculpando-se com o tradicional “passeio higiénico”, o psicólogo Américo Baptista aconselha-o a não o fazer.
"Nós devemos regular os nossos passeios higiénicos pelas instruções da Direção-Geral da Saúde e, se a DGS desaconselha, eu acho muito bem e não é ser alarmista".
Mesmo sabendo que um pouco de ar faz bem ao corpo e ao espírito, o psicólogo Américo Baptista explica que essa receita funciona em tempos normais. Mas com um surto epidémico no ar curar a mente e o medo nas ruas pode mesmo ser "pior a emenda que o soneto".