Covid-19. Como se realizam testes fidedignos e por que razão não se testa mais em Portugal

por Joana Raposo Santos - RTP
Portugal está em estado de emergência e tem já confirmados 15472 casos de infeção e 435 mortes. Foto: Benoit Tessier - Reuters

Desde o início da pandemia de Covid-19, milhares de pessoas em Portugal já foram submetidas a testes de diagnóstico. No entanto, para que não se corra o risco de existirem falsos resultados negativos, há técnicas que devem ser cumpridas. A RTP falou com João Gonçalves, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, entidade que recentemente começou a efetuar testes, para saber como estes se realizam e por que razão não há mais gente a ser testada no país.

“A técnica tem de ser feita corretamente, pois a sensibilidade com que nós detetamos depois o vírus depende muito de como a colheita foi feita”, explicou João Gonçalves, que está à frente desta iniciativa da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL). “Se a colheita for feita de uma forma em que traz pouca amostra, então no final não conseguimos dar um resultado fidedigno”.

Qual é, então, a maneira correta de recolher material biológico de um paciente? Segundo João Gonçalves, os testes de diagnóstico são feitos de duas formas a cada pessoa. Primeiro, insere-se uma zaragatoa pela fossa nasal cerca de dez centímetros, até à rinofaringe, sempre na horizontal e nunca na diagonal. O processo realiza-se com a mesma zaragatoa em ambas as narinas.

Depois, uma nova zaragatoa é inserida por via oral, de modo a fazer a recolha na orofaringe. O teste deve ser sempre realizado das duas formas, para que se possam comparar ambas as amostras e garantir se o resultado é ou não positivo.

Caso estas técnicas não sejam realizadas corretamente, o material biológico recolhido pode não ser suficiente e originar um falso resultado negativo no momento da análise laboratorial. “Os testes bem feitos e fidedignos são aqueles que (…) trazem o material suficiente para fazer a análise”, explicou o professor da FFUL. A FFUL compra os diferentes componentes necessários para os testes que realiza aos pacientes e que depois analisa em laboratório. A iniciativa começou a 27 de março e, neste momento, a capacidade é de 300 testes por dia.

“Poderá acontecer em algumas situações que os testes possam não estar a ser feitos da melhor forma, ou pela rapidez ou pela quantidade de pessoas testadas”, afirmou. “Mas eu penso que os profissionais que estão a fazer essa colheita tentam fazer o melhor”.

Os profissionais em questão não precisam, porém, de receber uma formação específica para que possam realizar estes testes, sendo suficiente a sua experiência profissional. “Os profissionais de análises clínicas, enfermeiros ou médicos têm já uma experiência de colheitas” que estão agora a utilizar para despistar a Covid-19, elucidou João Gonçalves.
“Grau de segurança muito elevado”
Mas os cuidados a ter não se ficam pelo momento da recolha das amostras biológicas. Também no laboratório onde estas são depois analisadas têm de ser cumpridos determinados padrões. “Temos de ter um grau de segurança muito elevado”, disse o professor, até porque a FFUL lida “com imensas amostras ao mesmo tempo”.

Por essa razão, o laboratório cumpre as condições das chamadas “classe 3”, que indica que o ar é “purificado na própria sala”, evitando assim que os profissionais que lidam com as amostras fiquem contaminados, algo que tem acontecido em vários laboratórios europeus.

É nesses laboratórios de classe 3 que os especialistas inativam as amostras. “Fazemos inativações químicas, inativações por calor, seguimos todos os passos que a CDC (Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) e a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomendam”, explicou. Para além dos testes que realiza, a FFUL recebe e analisa também testes efetuados por outros profissionais em hospitais, lares de idosos ou empresas que querem testar os seus colaboradores.

Ainda no que diz respeito à fiabilidade das recolhas, os profissionais que as analisam conseguem avaliar se a zaragatoa possui ou não material biológico suficiente para que o resultado seja fidedigno. “Quando fazemos os testes temos um controlo, uma maneira de saber se aquela amostra que foi recolhida extraiu o material específico daqueles locais (rinofaringe e orofaringe)”, disse à RTP João Gonçalves.

Quando a FFUL verifica que um teste não possui a amostra biológica suficiente considera-o “inconclusivo”. Nesse caso, ou repete o teste, ou pede ao clínico para fazer uma nova colheita.
Quantidade de testes em Portugal depende da capacidade de produção das empresas
O secretário de Estado da Saúde anunciou esta quinta-feira que, desde o início de março, foram realizados em Portugal 144 mil testes. E, segundo os dados mais recentes da DGS, quarta-feira foi o dia em que mais pessoas no país souberam o resultado do seu teste: cerca de 12 mil.

O número de testes realizados aos pacientes e analisados em laboratório está a aumentar, mas poderia ser muito superior se as empresas que produzem os componentes dos mesmos conseguissem elevar a capacidade de produção.

No caso da FFUL, tal como noutras instituições, estes materiais são comprados a empresas portuguesas, mas também a outros países, como Holanda ou Estados Unidos. “Os componentes têm de ser produzidos em condições que nos garantam a qualidade e a fiabilidade dos mesmos” para que não haja resultados falsos, sendo que apenas algumas empresas oferecem essa garantia, explicou João Gonçalves.

As empresas em questão estão neste momento a tentar aumentar a sua capacidade de produção, mas a procura é tão elevada no mundo inteiro que tal se torna difícil. “É por essa razão que há tanta falta de componentes e, por vezes, atrasos na libertação dos resultados”.
Análises ao sangue para detetar anticorpos
João Gonçalves explicou ainda por que razão os testes com zaragatoas por via oral e nasal são os únicos fiáveis. “Este vírus tem o que nós chamamos um tropismo das vias aéreas, ou seja, ele precisa de células para se replicar, e as células onde ele se replica são maioritariamente nas vias nasais e nos pulmões”.

“Muito raramente existe uma quantidade grande de vírus em circulação no sangue”, pelo que a amostra de sangue que se recolhe numa análise não iria detetar uma quantidade de vírus suficiente para que um teste fosse conclusivo. “Por isso é que testamos no local do doente onde potencialmente existe uma maior quantidade de vírus”.

“O que nós conseguimos encontrar no sangue são os anticorpos que se desenvolvem contra o vírus” através de testes que já estão a ser realizados em vários países, incluindo Portugal. O professor da FFUL considera “muito importante que nos próximos tempos” se determine se as pessoas infetadas no país desenvolveram imunidade contra o vírus e como é que tal aconteceu, de modo a perceber que anticorpos são esses.

“Nós aqui na faculdade já estamos a fazer isso também. Já estamos a fazer testes”, contou. “Nós temos a proteína do vírus e vamos agora, com o sangue dos doentes, verificar se os que testaram positivo para a infeção, passadas duas ou três semanas têm ou não anticorpos contra esse vírus”.

“Dessa forma vamos saber se os doentes ganharam ou não imunidade e se essa imunidade é a que nós chamamos de protetora”.

Quanto a tiras de diagnóstico a anticorpos que vão surgindo no mercado e às quais qualquer pessoa poderá vir a ter acesso, o professor da FFUL considera que ao início estas podem não ser a melhor maneira de provar se a população está ou não imunizada.

“É muito importante que o Infarmed, o INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) e a DGS façam pelo menos um estudo comparativo de todas as tiras de diagnóstico que aparecem no mercado”, pois estas podem não ser fiáveis por só conseguirem detetar a imunidade em pessoas que tenham uma grande quantidade de anticorpos.
Realização de mais testes pode aumentar números da DGS
Esta quinta-feira o secretário de Estado da Saúde esclareceu que há mais instituições “em análise” para que possam integrar a rede que atualmente realiza os testes à Covid-19. Com um aumento da realização de testes em Portugal, um de dois cenários pode concretizar-se.

Estatisticamente é possível que os números de casos confirmados aumentem, “mas pode também acontecer o contrário”, considerou João Gonçalves. “Como a dispersão viral está a desaparecer, também há a possibilidade de ajudar a provar que as medidas que foram aplicadas [pelo Governo] estão a funcionar”.

“Ou seja, fazer muitos testes dá-nos duas vantagens: a primeira é mostrar se há mais ou menos infetados. A segunda vantagem é provar que as medidas realmente estão a funcionar, porque quanto mais se testar e menos pessoas houver infetadas, então isso dá mais garantias de que as medidas implementadas pela DGS e pelo Governo estão a funcionar”.

Portugal está em estado de emergência e tem já confirmados 15472 casos de infeção e 435 mortes. Mais de duas centenas de pessoas já recuperaram da doença, que atinge pessoas de norte a sul do país.
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