Artista visual prepara BD biográfica com pandemia em fundo

por Lusa

A artista portuguesa Ana Margarida Matos prepara-se para editar este ano um álbum de banda desenhada que lhe servirá de espelho biográfico, de diário ilustrado sobre a vida em tempos de pandemia.

A BD tem o título provisório "Undoing Home Repairs" e parte de uma premissa que a autora, de 22 anos, definiu em janeiro e deverá prolongar até ao final do verão: Escrever diariamente pelo menos cinco linhas e desenhar uma página com a qual o texto se relacione.

"O que eu quero explorar, através dessas cinco linhas, que são uma visão muito pessoal de cada dia que passa, é quem é que eu sou quando todas as rotinas deixaram de existir", explicou a artista à agência Lusa.

A ideia começou a ser posta em prática a 16 de janeiro, quando entrou em vigor o segundo confinamento geral para conter a propagação da pandemia da covid-19. Ana Margarida Matos já tinha estado fechada em casa em 2020, no primeiro confinamento, e decidiu assumir essa rotina de documentar qualquer coisa de cada dia.

"Isto foi provocado em janeiro quando as coisas pioraram e percebi que passou um ano e que vinha outro ano igual. É esse relatório pessoal ou autobiográfico que eu estou a fazer. Não é um desespero, porque sou muito privilegiada, porque estou nesta posição e a fazer uma BD. [...] Não quero só falar de mortes. O que aconteceu faz parte, o contexto é o pano de abertura para tudo aquilo que passa pela minha cabeça e que eu acho que vale a pena partilhar", explicou.

Esse registo diário refletirá necessariamente não só o tempo em que a artista visual passa em casa a trabalhar, como tudo aquilo que irá viver nas próximas semanas, ou meses, com a reabertura da atividade económica, social e cultural.

O projeto ganhou outra dimensão quando Ana Margarida Matos o candidatou em fevereiro ao concurso "Toma lá 500 paus e faz uma BD", da editora Chili Com Carne. Apresentou o material que tinha já produzido e ganhou o concurso, pelo qual editará o primeiro livro de BD.

"Eu acho que foi super ambicioso da minha parte, mas acho que consigo fazer até ao fim e cumprir com o desafio", admitiu.

Ana Margarida Matos, 22 anos, finalista do curso de Pintura da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, só tem publicado em formato `zine`, pelo que a criação deste álbum de BD, que deverá ter cerca de 200 páginas, servirá para "outro tipo de desenhos e exploração gráfica".

"Como não comecei em BD, se calhar tenho uma visão diferente. Não uso lápis azul, não faço muitos esboços. `Storyboards` não funcionam comigo, tenho indicações, frases, descrições. Ganho algum espaço visual nesse aspeto, porque não faço muitos esboços, componho com imagens", explicou.

Em dois meses de registo diário para "Undoing Home Repairs", Ana Margarida Matos tem usado carvão, caneta preta, decalques e uma câmara fotográfica analógica.

"Eu sinto que não há margem para erro devido à cadência. [...] Às vezes acontece não ter um dia tão bom e ser um bocado vazio e não estou para predispor as pessoas para o meu vazio. Depois revejo, consoante o ritmo", explicou.

Ana Margarida Matos nasceu em Évora, estudou na escola artística António Arroio, em Lisboa, entrou para a Faculdade de Belas Artes e vive no concelho de Almada.

"Sou da Charneca da Caparica e estudo em Lisboa e metade da minha vida era passada no autocarro ou no barco. A primeira `fanzine` chama-se `Passe Social` e é sobre essas rotinas e aproveitar esse tempo para pensar, deixar de existir um bocadinho, olha pela janela", recordou.

Aos 22 anos, as preocupações de Ana Margarida Matos viram-se para "o que vem depois da licenciatura de Pintura, o que vem daqui a uns meses, quando os casos de covid baixarem".

Por agora, vai fixando os dias no papel: "Propus-me a fazer isto, porque agora, mais que nunca, eu sinto que estou numa posição em que me posso desafiar desta forma. Mesmo por não ter um currículo grande, é a altura ideal para fazer estas coisas ambiciosas".

"Undoing Home Repairs" será o oitavo livro que a Chili Com Carne edita no âmbito do concurso literário "Toma lá 500 paus e faz uma BD".

Anteriormente foram publicados títulos como "O cuidado dos pássaros", de Francisco Sousa Lobo, "O general", de Dileydi Florez, a coletânea de autoras "Nódoa Negra" e "Bottoms Up", de Rodolfo Mariano.

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