Manchas florestais ajudam a proteger os solos e a gerar chuva

por Nuno Patrício - RTP
Desnudadas e privadas das defesas naturais, as terras ficam sujeitas à secura, seguida de chuvas que arrastam consigo o que ainda resta Reuters

As florestas são mais do que manchas verdes na paisagem. São um património que fornece muito mais do que o ar que respiramos.

Fornece matéria-prima e é reserva animal. É também a floresta que, em simbiose com o ecossistema, preserva os solos e garante zonas climáticas húmidas que alimentam vastos territórios. As cada vez mais presentes alterações climáticas, com influência nestes espaços naturais, estão a mudar a face do planeta, com implicações diretas para o território e para o Homem.

A cobertura vegetal sobre um território merece cada vez mais atenção por parte das entidades governamentais. Os últimos incêndios que assolaram Portugal destaparam uma série de fragilidades a retificar. Todavia, não foram só os erros do passado que ficaram a descoberto.

Desnudadas e privadas das defesas naturais, as terras estão agora sujeitas à secura, seguida de chuvas diluvianas que arrastam consigo o que ainda resta.


Um arco-íris é visto do observatório Alto da Torre de Amazon (ATTO) em São Sebastião do Uatuma, no meio da floresta Amazónica - sinal da presença de humidade.
Floresta. Um influenciador do clima
Olhamos para um espaço verde e sabemos que nos fornece madeira e o ar que respiramos. Mas as grandes manchas florestais são também produtoras climatéricas regionais. Segundo estudos científicos, nas zonas onde de grande densidade florestal a humidade retida nos solos é muito superior àquela que se verifica em  zonas desflorestadas e agrícolas."As florestas têm um papel muito importante na captação de água. Porque criam muito mais turbulência na atmosfera", refere o investigador da UL Emanule Dutra.

Sabemos também que há uma relação entre o clima e a cobertura vegetal de um determinado lugar. As dinâmicas climáticas determinam, ou pelo menos influenciam, o comportamento e os tipos de biomas que se constituem numa dada região.

No entanto, o que podemos notar é que a vegetação também exerce direta influência sobre os tipos climáticos de um dado local.

Emanuel Dutra é investigador no departamento de ciências da Universidade de Lisboa e especialista em meteorologia, desde logo no que diz respeito à forma como a superfície terrestre afeta a atmosfera. Este perito explica à RTP que existem dois fatores muito importantes, criados pelo Homem, que determinam o clima em determinada região: a alteração da superfície terrestre, com a desflorestação e a agricultura, e a irrigação, uma forma artificial de criação de humidade nos solos.

Com a sistematização do corte destas áreas perde-se uma forma natural de criação e retenção de água. Mesmo com rega artificial, a reposição hídrica local nunca mais será a mesma.

“As florestas têm um papel muito importante na captação de água. Há um fator inicial, porque as florestas potenciam a reciclagem de água, água local. Porque a presença das florestas provocam muito mais evaporação do que uma cultura de erva ou de ervas, porque criam muito mais turbulência na atmosfera”, refere o investigador.

Mas não é só a questão da evaporação e retenção de água nos solos, as florestas ainda libertam aerossóis naturais que facilitam a criação de humidade no ar circundante à zona florestal.

Estudos na Amazónia e em França
Quem olha para uma floresta durante uma semana ou mesmo um mês não consegue retirar dados conclusivos sobre as transformações e os comportamentos atmosféricos com origem naquele espaço verde.

Neste campo, subsiste um espaço natural que tem sido estudado com resultados de relevante interessante para a ciência. A Amazónia, considerada um pulmão da Terra, ocupa uma área aproximada de 5,5 milhões de quilómetros quadrados e é o exemplo vivo de transformação biótica a diversos níveis. O investigador Emanuel Dutra, da Universidade de Lisboa, refere vários modelos que demonstram que a desflorestação ali ocorrida conduz a uma diminuição da precipitação.

Outro caso referido pelo investigador é o do fenómeno natural registado em 2009 em França, onde um ciclone destruiu parcialmente uma grande área florestal e nos meses seguintes ouve uma clara diminuição da formação de nuvens na região.

As florestas são emissoras de humidade, mediante um processo denominado evapotranspiração.

A Floresta Amazónica, por exemplo, possui essa característica. Uma árvore de dez metros é capaz de “bombear” para o ar mais de 30 litros de água por dia, através da evaporação a parti das folhas. Mas também a água presente no solo, que é captada pelas raízes.

De acordo com os investigadores que estudam estes fenómenos, todas as zonas que suportem uma vasta área florestal têm o papel de retenção de água local. Um sistema que cria um ciclo “interno” devido ao efeito de reflexão (albedo) da luz solar - toda a zona abaixo da linha de luz, com a humidade criada pela evaporação natural, além de ser mais fresca retém uma maior concentração de humidade.

Para Emanuel Dutra, os incêndios do ano passado provocarão um forte desequilíbrio de manutenção dos solos, quer ao nível da humidade em permanência, quer ao nível da retenção dos solos.


Esta foto captada em 2013 revela a forte pressão agricula sobre a floresta húmida tropical da Amazónia. Uma mancha verde importante para o equilibrio do planeta. Foto: Reuters
Floresta. Protetor natural dos solos
Ao longo do desenvolvimento civilizacional, século após século, a necessidade de madeira e a expansão significativa dos campos cultivados e de pasto levaram à sobre-exploração e à degradação da terra. "A floresta que nós temos fomos nós que a plantámos. Não é a floresta natural. Uma floresta que estava adaptada à distribuição humana que existia no século XX. Por isso o problema da inadaptação da floresta portuguesa não é tanto ao clima, mas é mais à distribuição da população que nós temos agora", explica Pedro Miranda, professor do IDL, DEGGE, UL.

Em meados do século XIX, os engenheiros florestais começaram a olhar para a degradação das manchas verdes mediterrânicas e a reparar nas consequências em termos de erosão do solo e ocorrência de inundações catastróficas.

A solução mais imediata foi tentar recuperar as florestas, através da promoção da florestação, particularmente nas cabeceiras das bacias hidrográficas de altitude mais elevada, sujeitas, por isso, a eventos torrenciais extremos.

A pensar no futuro, o século XX foi pródigo em extensos planos de florestação, na maioria dos países mediterrânicos. Exemplo disso foi a reflorestação de mais de quatro milhões de hectares do território espanhol, representando cerca de nove por cento do território total.

A floresta é um inibidor natural da erosão, mas também da incidência de cheias nos territórios ocupados. As raízes fornecem estabilidade aos solos e a vegetação arbórea fornece nutrientes criando manta morta, que serve de fertilizante natural e retém a humidade nos solos, além de ser refúgio natural animal.

Com a introdução da cultura intensiva, queimadas e os fogos florestais, a paisagem florestal está em permanente ameaça.

Atualmente, a perturbação mais importante e disseminada pelas florestas e matagais mediterrânicos é o fogo. Dependendo da capacidade de recuperação dos ecossistemas, podem ser necessárias ações de restauro para controlar a erosão e escorrência superficial pós‐fogo, para controlar pragas e favorecer a sucessão secundária, promovendo maior qualidade e menor combustibilidade do ecossistema.
Grandes manchas foram plantadas
Quem olha para a floresta portuguesa não tem a noção de como surgiu o verde. E muitos julgam que foi Dom Dinis, entre os séculos XIII e XIV, quem deu início à plantação do território na região de Leiria. Mas na realidade, Portugal era já pontualmente e naturalmente manchado de verde.

Com o advento da expansão marítima e a necessidade de madeira para os barcos, grande parte da floresta do país foi sacrificada e devastada. Só no final século XIX e início do século XX é que a floresta voltou a ter um lugar de destaque, devido à necessidade da matéria-prima a nível industrial.

Trata-se, pois, de uma floresta plantada de um ponto de vista económico, sendo que o clima mediterrânico nunca foi tido em conta, como explica o professor Pedro Miranda do Instituto D. Luiz, do Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia (DEGGE) da Universidade de Lisboa.

“A floresta que nós temos é floresta que nós plantámos, não é a floresta natural. Uma floresta que estava adaptada à distribuição humana que existia no século XX. Por isso o problema da inadaptação da floresta portuguesa não é tanto ao clima, mas é mais à distribuição da população que nós temos agora”.

Para o investigador Pedro Martins, do DEGGE, o futuro do território tem de ser olhado com uma perspetiva de longo prazo, tendo em conta não só a forma como se reordena os solos a nível florestal, mas também sabendo que o clima atual está em mudança.

“O nosso problema não é a falta de água. O nosso problema é a variabilidade do clima mediterrânico cada vez mais acentuado pelas alterações climáticas em curso”, refere.
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