O programa de divulgação científica 90 Segundos de Ciência completa esta terça-feira um ano de emissões diárias na Antena 1. Em 260 episódios, o projeto chegou às mais diversas áreas, desde a saúde pública, engenharias, astronomia, tecnologia e química à história, filosofia, desporto ou geografia. Com o objetivo é estreitar relações entre a comunicação e a produção de ciência, tantas vezes distantes, o programa terá mais um ano com mais trabalhos e novos investigadores que ainda faltam conhecer.
A missão é quase heróica. Explicar, em apenas minuto e meio, como se ensina um robot a ver, desconstruir um método inovador para o diagnóstico da tuberculose ou sugerir uma nova forma de gestão eficiente dos recursos hídricos de uma cidade. O 90 Segundos de Ciência, que começou a ser emitido pela Antena 1 há exatamente um ano, propõe-se a levar aos ouvintes novas descobertas e trabalhos dos cientistas portugueses nas mais diversas áreas.
“O número de programas que divulgam a ciência em Portugal não é muito. Pensámos que seria muito interessante criar um programa que de uma forma simples e rápida desse a conhecer trabalhos de investigação que estão a ser feitos por todo o país”, conta António Granado, professor no mestrado em Comunicação de Ciência da Universidade Nova de Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (NOVA FCSH) e um dos responsáveis por este projeto.
O projeto nasceu em 2016 numa colaboração da FCSH, ITQB, Antena 1 e o apoio do grupo farmacêutico Novartis. É emitido diariamente na Antena 1 e chega também à RDP Internacional e RDP África. Os episódios ficam disponibilizados na RTP Play. No site do programa, o público interessado pode encontrar mais informação sobre cada uma das investigações.
O objetivo é contribuir para a “literacia cientifica” do país ou mesmo despertar a curiosidade e entusiasmo do público, quiçá despertar o interesse por uma carreira científica, mas também dar voz aos cientistas portugueses das mais várias áreas e de diversos pontos do país.
“A ciência não se faz só em Lisboa e Porto”, destaca António Granado, um dos coordenadores do projeto, a par de Joana Lobo Antunes e Paulo Nuno Vicente.
“A ciência não se faz só em Lisboa e Porto”, destaca António Granado, um dos coordenadores do projeto, a par de Joana Lobo Antunes e Paulo Nuno Vicente.
Estes episódios diários são emitidos diariamente pela rádio pública às 18h58, e são repetidos no dia seguinte, às 10h58, mesmo antes dos noticiários hora a hora, de forma a chegar ao maior número possível de ouvintes e ir além dos públicos habituais, uma problemática constante no que toca à comunicação de ciência.
“A rádio era uma hipótese pouco explorada como canal de difusão de ciência. Chegamos a este conceito de um programa muito curto, que dê vontade de saber mais. Não pretendemos de todo esgotar o tema num minuto e meio como é evidente”, refere Joana Lobo Antunes, responsável pela comunicação científica no Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (IBQT) e docente na mesma área.
Porque é que os cientistas comunicam pouco?
Entre os 260 trabalhos elaborados, o sucesso ou a maior projeção de cada episódio depende muitas vezes das redes sociais e da dinamização feita por cada universidade, instituto ou centro de investigação, explica António Granado. Mas são geralmente os temas de medicina e de saúde pública a obter maior recetividade, nomeadamente sobre o desenvolvimento de softwares ou equipamentos que permitam melhorar a qualidade de vida dos doentes, destaca Joana Lobo Antunes.
Ambos destacam o trabalho que vai para o ar precisamente esta terça-feira, quando o programa assinala o primeiro aniversário. É um episódio no mínimo reflexivo, que debate a própria génese do 90 Segundos de Ciência através de uma invesitgação de Pedro Russo, cientista na Universidade de Leiden, na Holanda, que analisa o porquê de os cientistas não comunicarem a ciência tão frequentemente quanto deveriam fazer e quais são os principais impedimentos nesse processo.
“Uma das conclusões é que a maioria dos cientistas não vê a comunicação de ciência como algo fundamental, algo importante para a sua progressão na carreira. A progressão na carreira faz-se principalmente através de publicações cientificas em revistas especializadas”, explica o professor da Nova, especializado em jornalismo de ciência.
Pedro Russo tentou perceber se é possivel criar, dentro da comunidade científica, alguma forma de premiar os cientistas que também fazem comunicação, sem descartar a maior importância que será sempre a publicação de artigos científicos. “É importante que aqueles que dedicam algum tempo à comunicação de ciência sejam de alguma forma beneficiados”, refere António Granado.
Até porque, em muitos casos, os cientistas recebem fundos públicos para as suas investigações. “É importante que o público em geral que financia a ciência também saiba o que é que os cientistas estão a fazer com o dinheiro, não como uma obrigação chata mas como algo interessante”, completa o professor.
Cientistas portugueses “ainda estão a aprender”
A dificuldade de chegar a novos públicos também está na complexidade dos temas que são muitas vezes expostos. Adriano Cerqueira, responsável pelas entrevistas aos investigadores que são realizadas um pouco por todo o país, pede-lhes muitas vezes “pode explicar isso de uma maneira mais simples?”, ou “pode explicar o que quer dizer com o que acabou de dizer?”.
“A regra dos jornalistas de ciência é sempre a mesma. Quando dizemos uma palavra difícil, essa palavra tem de ser explicada”, refere António Granado,
que deixa como exemplo a presença da palavra Internet na imprensa portuguesa durante os anos 90.
“Escrevíamos «Internet, uma rede informática que liga instituições de investigação e instituições militares no mundo inteiro». Agora, toda a gente sabe do que estamos a falar”, refere o antigo jornalista do Público e da RTP.
No entanto, muitas outras palavras do jargão científico ainda não entraram no vocabulário e precisam de ser explicadas e simplificadas: “A palavra mitocôndria, que já ouvimos falar das aulas de ciência, não pode ser dita desta forma num jornal. Temos de dar uma explicação simples: são as baterias das células, ou seja, a parte da célula responsável por produzir energia. E isto chega para as pessoas perceberem”, acrescenta o coordenador.
Muitos investigadores chegam mesmo a questionar se o seu trabalho pode efetivamente ser resumido em apenas 90 segundos, depois de longas entrevistas. Mas o feedback dos protagonistas tem sido positivo. “São os dois grandes objetivos: que os cientistas se revejam no programa e que quem não entende nada do assunto consiga espreitar pela janela”, sublinha Joana Lobo Antunes.
“A maioria dos investigadores está a ter connosco a sua primeira experiência a falar com os media. Ainda estão a aprender”, acrescenta.
Para o futuro fica desde já assegurada a continuação do projeto pelo menos por mais um ano. “Para já, o nosso objetivo é manter esta parceria por mais um ano. Para o ano falaremos outra vez”, refere António Granado. Os responsáveis pensam também na possibilidade de levar o programa para o formato televisivo, mas é uma ideia ainda embrionária.
“Temos garantido mais um ano de programas. Mais 260 investigadores vão ser descobertos no ano que vem”, destaca a investigadora Joana Lobo Antunes.
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