Mais de 100 pessoas reuniram-se este domingo em Borgarfjörður, na Islândia, para assinalar o desaparecimento do primeiro glaciar do país. Depois de ter sido desclassificado, em 2014, o Okjökull vai passar a ser relembrado apenas por uma placa de bronze.
On August 18, 2019, scientists will be among those who gather for a memorial atop Ok volcano in west-central #Iceland. The deceased being remembered is Okjökull—a once-iconic #glacier that was declared dead in 2014. https://t.co/IbwDha54cB #NASA #Landsat pic.twitter.com/pSFD08UohO
— NASA Earth (@NASAEarth) 12 de agosto de 2019
Por isso, “um monumento em memória de um glaciar desaparecido pode servir para se perceber” a gravidade da situação atual, salientou.
A antiga localização do glaciar Okjökull, mais conhecido por glaciar “OK”, ficou agora fisicamente marcada.
“A previsão é que, nos próximos 200 anos, todos os nossos glaciares deverão seguir o mesmo caminho. Este monumento foi criado para reconhecer que sabemos o que está a acontecer e sabemos o que precisa ser feito”, lê-se na mensagem gravada para as gerações presentes e futuras.
As palavras inscritas na placa de bronze foram idealizadas por um dos escritores mais notáveis da Islândia, Andri Snaer Magnason.
Ok-glacier is no longer a glacier. The first of many Iceland will lose to climate change. I made the text for this plaque with a letter to the future with @DominicBoyer, @CymeneHowe, Rice University and Oddur Sigurðsson geologist, to be placed where the glacier was. pic.twitter.com/MrYHYGucgZ
— Andri Snær Magnason (@AndriMagnason) 22 de julho de 2019
Em 1986, uma imagem de satélite – capturada pela NASA – mostrava uma mancha branca em forma de cúpula, localizada a norte de uma cratera repleta de neve, que se estendia por 16 quilómetros quadrados. Agora, o manto branco mal chega para ocupar um quilómetro quadrado.
De acordo com um relatório da Universidade da Islândia, publicado há cerca de dois anos, em 2012 apenas restava 0,7 km2 deste glaciar.
O Okjökull foi desclassificado dois anos depois.
Em 2014, "tomámos a decisão de que este já não era um glaciar vivo, era apenas gelo morto, não estava em movimento", lamentou Oddur Sigurdsson, um glaciologista do Departamento de Meteorologia da Islândia.
A cerimónia em homenagem do glaciar OK contou com a presença da primeira-ministra islandesa, Katrin Jakobsdottir, e da antiga comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Mary Robinson.
"Espero que esta cerimónia seja uma inspiração não só para nós aqui na Islândia, mas também para o resto do mundo, porque o que estamos a ver aqui é apenas uma parte da crise climática", revelou Katrin Jakobsdottir.
Atualmente, a Islândia perde cerca de 11 mil milhões de toneladas de gelo por ano. Os cientistas temem que desapareçam, até 2200, os 400 glaciares da região o que equivale a cerca de 11 por cento da superfície do país.
“Uma carta para o futuro” pretende consciencializar as pessoas sobre o declínio dos glaciares e os efeitos das alterações climáticas.
“Agosto, 2019. 415 ppm CO2”
A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera começou a aumentar no final do século XVIII na sequência da revolução industrial. A utilização de grandes quantidades de carvão mineral e petróleo como fonte de energia provocou um aumento deste gás em 44 por cento.
Em 1750, a concentração de CO2 era de 280 ppm - partes por milhão. Atualmente, a placa em memória do antigo glaciar registou o valor recorde de concentração de CO2 na atmosfera. “Agosto, 2019. 415 ppm”.
Um glaciar forma-se a partir de camadas de neve que, ao longo do tempo, se transformam em gelo. Com o peso, o gelo começa a deslizar, com a ajuda da gravidade, e gradualmente deixa de fluir. Com o tempo, as camadas passam a ficar mais finas até chegar a um ponto que deixam de ter movimento. Nesse momento, de acordo com os cientistas, o glaciar passa a estar morto.
No entanto, à medida que esse processo decorre, essas superfícies brancas maciças refletem os raios solares de volta para o ambiente. Porém, à medida que mais glaciares derretem, mais energia solar passa a ser absorvida pelo oceano. O oceano aquece, as temperaturas globais aumentam e com o aquecimento global mais glaciares derretem.
O mundo funciona como uma bola de neve e, neste momento, encontra-se a derreter, em rápida escala. Do manto de gelo que cobre a Antártica Ocidental aos glaciares da Gronelândia, as enormes massas de gelo estão a desaparecer a uma velocidade nunca antes vista.
“Desde a década de 1950 têm-se vindo a observar inúmeras mudanças, sem precedentes, nas últimas dezenas ou mesmo milhares de anos. A atmosfera e os oceanos aqueceram, a quantidade de neve e de gelo diminuiu, o nível médio das águas do mar subiu e a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera aumentou”, pode ler-se na Síntese do Quinto Relatório de Avaliação do IPCC - Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas – publicada em 2013.
“O aquecimento do sistema climático é inquestionável”, lê-se ainda nesse relatório.
Ao longo de décadas, o clima tem vindo a aquecer à escala global devido à intervenção da mão humana. Com o aquecimento global veio o degelo. Com o degelo, a libertação de gases nocivos – como o metano e o dióxido de carbono – para a atmosfera e a subida do nível médio das águas do mar. Consequentemente, a inundação das cidades costeiras.
De acordo com um estudo científico, publicado há dois anos, cerca de dois mil milhões de pessoas - quase um quinto da população mundial – podem ficar desalojadas, até 2100. Algumas regiões como o Tuvalu, as Maldivas e as Ilhas Marshall, podem vir a desaparecer com o aumento de apenas um metro do nível do mar.
“Muitas vezes, quando as pessoas pensam sobre o aumento do nível do mar, pensam na inundação de terra", referiu Andrea Dutton, uma professora de geologia da Universidade da Flórida, à CNN.
E "pensam que 'se a minha casa não estiver na área inundada, não preciso de me preocupar com isso', o que é um equívoco completo", assegurou.
Segundo os dados revelados pelas Nações Unidas, mais de 90 por cento do comércio mundial é transportado por mar.
“[O desaparecimento dos glaciares] vai afetar o acesso das pessoas à comida, água e energia, coisas que são fundamentais e essenciais para a nossa sobrevivência", rematou.