Referendo em Portugal a Tratado de Lisboa "nas mãos" de Cavaco Silva, que é contra

por © 2007 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Lisboa, 12 Dez (Lusa) - O presidente Cavaco Silva, que é contra referendos em Portugal sobre Tratados europeus, terá um papel decisivo, se for confrontado com um pedido de convocação de uma consulta popular sobre o Tratado da UE a assinar quinta-feira, em Lisboa.

O poder determinante do chefe de Estado nesta matéria decorre do disposto na actual Constituição portuguesa, cuja última revisão, em 2005, teve como único objectivo abrir "a possibilidade de convocação e de efectivação de referendo sobre a aprovação de Tratado que vise a construção e aprofundamento da União Europeia", bloco comunitário a que o país pertence há 21 anos (desde 1986).

Mas, além do que está constitucionalmente estabelecido, qualquer avaliação de um eventual referendo em Portugal não pode ser alheia ao calendário a que o actual Governo de José Sócrates se comprometeu, juntamente com os dos restantes 26 parceiros da União Europeia, para a ratificação (confirmação) do Tratado que substituirá a Constituição Europeia, inviabilizada depois de ter sido rejeitada, em referendos, na França e na Holanda, em 2005.

Os novos Tratados - ou `Leis Fundamentais` da Europa comunitária, ou alterações a estas - têm de ser aprovados por unanimidade pelos Governos dos Estados membros e depois ratificados por todos, sem excepção, Parlamentos nacionais, com ou sem consultas populares prévias.

O primeiro-ministro José Sócrates, actual presidente em exercício do Conselho de líderes da UE, e a maioria absoluta socialista de que dispõe no Parlamento português começaram por remeter a decisão sobre o processo de ratificação do novo Tratado europeu no país para depois da aprovação política do documento, o que aconteceu a 19 de Outubro último, na Cimeira de Lisboa de chefes de Estado ou de Governo dos 27.

Neste dia, na conferência de imprensa em que comunicou oficialmente o acordo final sobre o novo Tratado, Sócrates remeteu a decisão do Governo português sobre a ratificação para depois da assinatura formal do documento, que então anunciou para 13 de Dezembro (amanhã), em Lisboa.

Entretanto, o Governo de Lisboa esclareceu que só anunciaria a sua posição sobre a forma que proporia para a ratificação do Tratado europeu de Lisboa depois de terminada a actual presidência portuguesa da UE, ou seja, após o fim do corrente ano.

Em meios diplomáticos europeus e comunitários, não restam dúvidas de que a generalidade dos Estados membros vai tentar ao máximo evitar ratificar o novo Tratado com referendos prévios, dada a imprevisibilidade dos resultados, por forma a que seja ultrapassada o mais rapidamente possível a crise (ou a percepção dela) que foi instalada na UE depois da inviabilização da Constituição Europeia com os referendos negativos em França e na Holanda.

"Em primeiro lugar, analisar o conteúdo do Tratado que for aprovado em Lisboa, nomeadamente o alcance nele previsto das transferências de soberania nacional para as instituições comunitárias de Bruxelas e, depois, decidir de que forma ratificar o documento", foi o mote dos principais dirigentes políticos no poder dos 27, incluindo os portugueses.

A 27 de Junho último, o primeiro-ministro José Sócrates afirmou, na Assembleia da República, que o novo Tratado da UE seria "mais um" Tratado internacional, sem natureza constitucional e preservando o equilíbrio institucional anteriormente acordado.

"Abandonou-se a perspectiva de adoptar um Tratado Constitucional e retoma-se a tradição das emendas aos Tratados já existentes. O novo Tratado será mais um Tratado internacional, sem natureza constitucional e sem pretender substituir em bloco os Tratados já em vigor", sustentou então.

Todavia, tanto em Portugal, como noutros Estados da UE, o abandono da realização de um referendo ao futuro Tratado europeu ameaça ter custos políticos, pois a consulta popular à falhada Constituição Europeia foi promessa eleitoral de partidos actualmente no poder, incluindo o PS do primeiro-ministro português, José Sócrates.

O argumento utilizado pela generalidade dos líderes políticos do bloco europeu dos 27 é o de que o novo Tratado Reformador da UE (designação oficial) será diferente da falhada Constituição Europeia, por ter sido expurgado do seu conteúdo o designado carácter federalista - que apontaria no sentido da criação de um `Estado Europeu` - e por implicar menos transferências de soberanias nacionais para Bruxelas.

O referendo em Portugal à (entretanto) abandonada Constituição Europeia chegou a estar agendado, mas foi adiado por tempo indeterminado depois da rejeição do documento nos referendos francês e holandês, na Primavera de 2005.

Antes da substituição de Marques Mendes por Luís Filipe Menezes na liderança do PSD (o maior partido da oposição portuguesa), as reservas do Governo Sócrates e da maioria socialista na Assembleia da República quanto à realização de um referendo ao então possível Tratado Europeu de Lisboa apenas tinham o "conforto" do presidente da República, Cavaco Silva, que nunca escondeu a sua oposição a consultas populares sobre estas matérias.

Mas o novo presidente do PSD concorda, na rejeição de um referendo a um Tratado europeu, com o actual chefe de Estado português, ex-líder histórico do seu partido e antigo primeiro-ministro do Governo de Lisboa, cargo que ocupou durante 10 anos (entre 1985 e 1995).

Também a actual direcção do CDS-PP, que voltou a ser liderada pelo antigo `eurocéptico` Paulo Portas, reservou então a sua posição quanto ao referendo para o resultado final das negociações da Cimeira europeia de Lisboa sobre o texto final do futuro Tratado, designadamente quanto a transferências de soberania de Lisboa para Bruxelas.

Ao contrário, os partidos da oposição à esquerda do PS, com assento parlamentar, insistem na defesa da realização de uma consulta popular ao futuro Tratado, argumentando, nomeadamente, que se trata de um compromisso assumido por todas as forças políticas portuguesas durante a campanha para as últimas eleições legislativas no país, em 2005.

Independentemente do actual contexto político nacional, a realização em Portugal do referendo ao futuro Tratado europeu passará sempre pelo crivo do presidente da República, de acordo com a Constituição portuguesa.

A realização do referendo pode ser proposta ao PR pelo Governo, pela Assembleia da República e por cidadãos, desde que recolham um mínimo de 75 mil assinaturas.

Em todas as situações, o PR pode recusar, justificando, a convocação do referendo, independentemente do sentido do parecer prévio (obrigatório) do Tribunal Constitucional.

Se a proposta - recusada pelo chefe de Estado - for do Governo, "só pode ser renovada junto do Presidente da República após formação de novo Governo", determina a Lei Orgânica do Regime do Referendo.

Neste caso, a recusa de Belém atiraria uma reavaliação de uma consulta popular para o Governo que resultará das próximas eleições legislativas, previstas para 2009, o qual também não poderá propor ao PR referendos para esse ano porque a Constituição portuguesa os impede em períodos eleitorais. 2009 será o ano de todas as eleições em Portugal: Legislativas, Europeias e Autárquicas.

E Portugal, através do seu actual Governo, está politicamente comprometido com os restantes 26 parceiros da UE a ratificar o novo Tratado europeu - que saiu da cimeira dos 27 de Lisboa, de 18 e 19 de Outubro - antes das eleições para o Parlamento Europeu de Junho de 2009.

O compromisso de a ratificação do novo Tratado da UE por todos os 27 Estados membros ser concluída de forma a que o documento já esteja em vigor durante as eleições europeias de Junho de 2009 foi assumido em Março deste ano, em Berlim, durante a cimeira de líderes dos 27 que assinalou o cinquentenário do processo de integração e unificação europeia, iniciado no pós-II Guerra Mundial e que assegurou um período de paz, estabilidade e prosperidade no "Velho Continente".

Se a defesa do referendo partir do Parlamento português - por maioria simples, ou seja, com a hipotética abstenção da maioria absoluta do PS -, "a proposta de referendo da AR recusada pelo Presidente da República não pode ser renovada na mesma sessão legislativa" (um ano de cada Legislatura de 4 anos do Parlamento), lê-se na Constituição.

Ou seja, as previsíveis propostas de resolução que o PCP e o BE vão apresentar na AR para a realização de um referendo ao futuro Tratado europeu, caso sejam aprovadas por maioria simples no parlamento e recusadas pelo PR, só poderão ser repetidas ou reafirmadas no ano parlamentar seguinte (Setembro 2008/Julho 2009), embora não devam ter quaisquer consequências práticas.

Caso a iniciativa seja de cidadãos - após recolha de 75 mil assinaturas -, o procedimento passa pelo Parlamento português, que se pronunciará e decidirá sobre a sua sequência.

Os Tratados do bloco europeu comunitário - actualmente com 27 Estados membros - têm de ser ratificados/confirmados, sem excepção, pelos parlamentos nacionais de todos os Estados membros, processo que poderá ou não ser precedido de referendos.

Basta a rejeição num país da ratificação de um Tratado europeu para o mesmo ficar inviabilizado, à partida, ou seja, não poderá entrar em vigor.

O novo Tratado da UE foi objecto de um acordo político dos líderes dos 27 na Cimeira europeia de Outubro, em Lisboa, mas o seu processo de ratificação só se inicia após a assinatura formal do documento, na quinta-feira (amanhã), no Mosteiro dos Jerónimos.

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