Mário Centeno regressou esta terça-feira ao Parlamento para deixar uma garantia aos deputados: “Não houve nenhuma tentativa de privilégio por parte deste Governo” ao Santander. O governante critica o que considera ser a “insinuação” do PSD baseada em “truncagens dos factos” e “leituras parciais” de documentos. A segunda audição do ministro das Finanças aqueceu os ânimos em São Bento: de um lado o PSD, do outro Mário Centeno, apoiado por João Galamba. O governante desmentiu ainda a ideia europeia de que a Comissão não impõe soluções aos Estados-membros.
Se a audição do governador manteve o modelo e a postura habitual, a comissão ganhou ares de debate parlamentar para a receção a Mário Centeno. De um lado, as insinuações do PSD. Do outro, a defesa de ministro das Finanças, à qual se juntou o socialista João Galamba.
O tom da audição era dado pela declaração inicial do governante. Centeno disse manter “todas as afirmações” anteriormente prestadas na comissão, apontando mesmo que não é “completamente claro o sentido da nova presença”.
Para o responsável pelas Finanças lusas, o regresso à comissão teve lugar na sequência de uma “insinuação” do PSD que está assente em “leituras parciais e enviesadas de documentos”.
“Não aceito que me imputem falsidades sustentadas em truncagens dos factos e em leituras parciais e enviesadas de documentos. Estarei sempre disponível para contribuir para a descoberta da verdade, pois estou muito confortável com ela”, defendeu-se o governante.
O polémico e-mail
O regresso de Mário Centeno ao Parlamento ocorreu depois de o PSD ter apresentado um e-mail que, acredita o partido, põe em causa o primeiro depoimento de Centeno na comissão.
O documento apresenta uma missiva de Danièle Nouy, presidente do Mecanismo Europeu de Supervisão, em que esta diz ter recebido contactos de Mário Centeno e de Vítor Constâncio para “desbloquear a oferta do Santander junto da Comissão Europeia.
O e-mail foi enviado na manhã de dia 19 de dezembro, horas antes de ter sido decidida a venda do Banif ao Santander, que acabou por ser anunciada já no domingo, dia 20 de dezembro. Apenas o banco espanhol é referido no e-mail.
Centeno alegou que, no momento em que o e-mail é enviado, aquela era a única proposta em cima da mesa e que chegaram depois outras três propostas, apresentadas pela JC Flowers, Banco Popular e Apollo.
Pedro Valador, Pedro Ribeiro - RTP
O ministro das Finanças recusou qualquer favorecimento de potenciais compradores do Banif. A troca de acusações e a leitura de excertos da primeira audição de Centeno prolongaram-se, mas a garantia do ministro não mudou.
"Teses incompatíveis"
O socialista João Galamba juntou-se à defesa do Executivo, acusando os social-democratas de contradição. “O PSD defende duas teses que são incompatíveis: a primeira é que a Direção-Geral da Concorrência queria forçar e entregar o Banif ao Santander. Agora, aparentemente, acusa o Ministério das Finanças de querer forçar a DG Comp a aceitar o Santander”.
Durante a audição, o PSD trouxe ainda outro dado a debate. O deputado Marques Guedes questionou Mário Centeno sobre o facto de o Santander ter comprado dívida pública a Portugal logo a seguir à venda. O governante nega que esta tenha sido uma contrapartida pela venda do banco ou que esta operação de venda de dívida tenha sido discutida no âmbito do processo de resolução.
O ministro admitiu, sim, que que esta foi uma operação destinada a repor a almofada financeira, depois da injeção de capital que foi necessária à resolução do Banif. Para além de manter a garantia de não ter tentado favorecer o banco espanhol, o ministro das Finanças voltou a atacar a gestão do caso feita pela anterior Executivo.
“As condições em que a resolução foi concretizada e o custo para os contribuintes foram determinadas pelas atuações das autoridades ao longo dos últimos três anos e meio de vida do Banif”, garantiu.
Centeno desmente Europa
Mário Centeno desmentiu ainda o esclarecimento feito pelo vice-presidente da Comissão Europeia. Valdis Dombrovskis defendeu esta terça-feira que o Executivo comunitário não impõe soluções aos Estados-membros no que respeita a um banco em dificuldades.
"Que não tenha havido uma forte imposição, e uma forte posição negocial da DG Comp nesta fase do processo, não posso corroborar”, afirmou o ministro. O governante concorda, no entanto, que nem tudo foi definido pela DG Comp.
Esta versão apresentada por Centeno vai ao encontro das declarações que têm sido feitas por Maria Luís Albuquerque e Carlos Costa. A ex-ministra e o governador do Banco de Portugal têm referido que houve uma forte pressão das instituições europeias no caso Banif.
"Mal-entendido"
A audição de Mário Centeno teve início depois do regresso de Carlos Costa à comissão de inquérito. O governador do Banco de Portugal rejeitou as críticas que foram feitas pelo Governo.
O regulador admitiu que propôs para o Banif restrições financeiras, mas alegou que estas são semelhantes às usadas noutras situações e que não influenciaram a capacidade de financiamento do banco.
Ana Cardoso Fonseca, Guilherme Terra - RTP
Sobre as críticas que lhe são feitas por não ter informado o Executivo desta proposta, Caros Costa aponta que “não podia” fazê-lo, uma vez que as regras o “impedem de divulgar ou discutir previamente com as autoridades nacionais” as propostas apresentadas em Frankfurt.
O regulador considera por isso que as críticas do Executivo resultam de um "mal-entendido". Esta é a resposta do governador depois de o secretário de Estado Adjunto e das Finanças o ter acusado de cometer uma "falha de informação grave" por omitir a proposta.