O ministro da Cultura apresentou esta sexta-feira a António Costa a demissão das suas funções, invocando razões de solidariedade com o Executivo. João Soares não resistiu à polémica aberta por um post que escreveu no Facebook, a prometer “salutares bofetadas” aos cronistas do Público Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente.
No mesmo texto, o ministro demissionário sublinha “o privilégio que representou” o facto de ter integrado o Governo socialista.“Se ofendi alguém, peço desculpa”, havia já declarado na quinta-feira João Soares.
“E ter trabalhado com o primeiro-ministro, a quem agradeço a confiança. Demito-me também por razões que têm a ver com o meu respeito pelos valores da liberdade. Não aceito prescindir do direito à expressão da opinião e palavra”, enfatiza o antigo presidente da Câmara de Lisboa.
Na última noite, o próprio primeiro-ministro saíra a público para pedir desculpa a Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente, os cronistas a quem João Soares prometera “salutares bofetadas”.
“Tanto quanto sei o doutor João Soares já pediu desculpa aos visados pela forma como se expressou. Eu pessoalmente quero também expressar publicamente desculpas a duas pessoas, a Augusto M. Seabra, por quem tenho particular estima, e a Vasco Pulido Valente, por quem tenho consideração”, reagiu António Costa, à entrada para um espetáculo no Teatro da Comuna, em Lisboa.
E acrescentou: “Obviamente já recordei aos membros do Governo que, enquanto membros do Governo, nem à mesa do café se podem deixar de se lembrar que são membros do Governo e portanto devem ser contidos na forma como expressam as suas emoções”.
“A minha intenção não foi ofender”
Palavras de António Costa que acabaram por escancarar a João Soares as portas de saída do XXI Governo Constitucional.“Nos próximos dias entregarei ao senhor Presidente da República um nome de uma personalidade que substitua o doutor João Soares”, perspetivou António Costa.
Já depois de conhecido o pedido de demissão, ao início da tarde desta sexta-feira, o primeiro-ministro quis “agradecer” a “colaboração” e a “energia” do antigo autarca enquanto membro do Executivo.
“Naturalmente respeito e aceito a avaliação que ele fez das condições que tinha para prosseguir no exercício destas funções”, afirmou Costa.
Antena 1
Na véspera, em nota igualmente remetida à Lusa, o ainda ministro da Cultura afiançava que não fora sua intenção “ofender”. “Se ofendi alguém peço desculpa”, escreveu.
“Sou um homem pacífico, nunca bati em ninguém. Penso que a liberdade de opinião não pode ser confundida com insultos e calúnias pessoais, atentatórias da honra e do bom nome de cada um”, continuava João Soares, para alegar que se limitara a redarguir a um “ataque pessoal insultuoso, com uma figura de estilo de tradições queirosianas”.
“Não foi uma surpresa”
Entretanto ouvidos pela Lusa, os cronistas visados no post de João Soares dividiram-se entre “alguma” e nenhuma surpresa com o desfecho do caso.
Augusto M. Seabra foi quem manifestou “alguma surpresa”, embora considerando a que a decisão do ministro foi “a mais saudável” e “a melhor do ponto de vista ético”. Já Vasco Pulido Valente estimou que Soares “não tinha outra saída”, pelo que “não foi uma surpresa”.
Na passada quarta-feira surgiu na edição eletrónica do jornal Público um artigo de Augusto M. Seabra com o título “Tempo velho na cultura”. O texto que conduziria à polémica resposta no Facebook advertia para “uma situação de emergência” no sector tutelado por João Soares.
“Que um governante se rodeie de pessoas de confiança é óbvio. Mas no caso do gabinete de Soares trata-se de uma confraria de socialistas e maçons”, escrevia o cronista e programador cultural, que repudiava decisões de Soares como a nomeação de Elísio Summavielle, "um velho apparatchik”, para o lugar de António Lamas no Centro Cultural de Belém.
Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir. Não me cuzei com a...
Publicado por João Soares em Quarta-feira, 6 de Abril de 2016
Também escrevendo sobre a substituição de António Lamas, Vasco Pulido Valente sustentava que o governante “podia ter chamado discretamente o presidente do CCB para o demitir, alegando, como está no seu direito, falta de confiança política ou pessoal”.
“Mas João Soares preferiu fazer do incidente um espetáculo público. Ameaçou o dr. Lamas, exibiu os seus poderes (que lhe vêm exclusivamente do cargo) e no fim ainda se foi gabar para a televisão. Não se percebe o motivo de toda esta palhaçada, excepto se pensarmos que ele é no governo um verbo-de-encher e que o PS o atura por simples caridade”, rematava.
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