Intervenções de Sócrates e Costa acentuam pressão sobre Seguro
A pouco mais de três meses das eleições europeias, agudiza-se a pressão interna sobre a liderança do PS, com as vozes de José Sócrates e António Costa a preencherem o espaço público com recados a António José Seguro. À ideia de que o maior partido da oposição “está de boa saúde”, expressada esta semana pelo secretário-geral socialista, António Costa responde com um aviso contra o “desgaste” de potenciais cabeças de lista “na praça pública”. José Sócrates é mais comedido e prefere concentrar a desilusão na Presidência francesa. Mas não deixa de sublinhar ter “a maior expectativa”.
O antigo ministro, que há um ano contestava abertamente o rumo da liderança do PS e a forma como esta geria o legado da governação de José Sócrates, disse mesmo ser “difícil compreender não só não ter um cabeça de lista escolhido como, sobretudo, a forma como se tem permitido desgastar sucessivos nomes na praça pública, desde o doutor Jorge Sampaio ao Carlos César, Francisco Assis, toda a gente já andou como cabeça de lista”.
Na mesma linha, o autarca de Lisboa quis deixar vincado que não será “credível trabalhar num qualquer cenário que não seja uma vitória significativa do PS” nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, a 25 de maio.
“Ganhar poucochinho é fazer uma coligação poucochinha e fraquinha. É preciso ganhar solidamente para ter força e capacidade para negociar e fazer acordos”, advertiu ainda António Costa, para quem seria “impensável uma derrota do PS” nas urnas.
“A maior expectativa”
Embora em tom mais temperado, também José Sócrates contribuiu ontem para o erguer da fasquia colocada a Seguro, ao cunhar uma conferência no ISCTE sobre “o papel do Estado na sociedade contemporânea” com um sublinhado do valor político das europeias. Mesmo que se apresente agora como “ex-político”.
“Votarei sempre no PS. Isso não está em causa. Mas gostaria que a esquerda se apresentasse, ao nível europeu, com um novo programa político”, advogou o ex-primeiro-ministro, que optaria por colocar as críticas no plano europeu, em particular sobre o Presidente francês, François Hollande. Sócrates admitiu “fazer parte do grupo de pessoas descoroçoadas com a linha política francesa”.
Foto: João Relvas, Lusa
“Quanto a Hollande, sinto-me descoroçoado e partilho da desolação, porque sempre esperei que viesse dali o polo que pudesse equilibrar as coisas na Europa, mas não foi assim”, confessou.
Para consumo interno, no entanto, Sócrates diria ter “a maior expectativa” face ao que vier a ser o resultado do PS de António José Seguro: “Porque entre PS e PSD há hoje uma diferença na perspetiva quer quanto ao que aconteceu na Europa, quer quanto ao que deve acontecer no futuro”.
Ainda segundo o antigo governante, “o dever da esquerda europeia é ser muito ambiciosa”. O que passará por “dizer claramente não à Alemanha”.
“Não é com rodriguinhos, porque o que está a acontecer favorece alguns países e prejudica outros. Isto não tem por trás qualquer teoria da justiça. Tenho a certeza de que o PS vai fazer isto, já que o Governo atual comporta-se como uma espécie de capataz que diz aqui o que os alemães dizem na Alemanha”, frisou.
“De boa saúde”
Foi pela mão de Carlos César que o verniz começou, esta semana, a estalar no seio do Rato. Na quarta-feira, os ecos de uma entrevista do antigo presidente do Governo Regional dos Açores à rádio Renascença depressa se converteram em ondas de choque para a liderança de Seguro. César adiantou ter conversado sobre um “eventual comprometimento” nas europeias com o secretário-geral do PS. A quem comunicou que “não tinha disponibilidade” para integrar a lista.
Deixaria, sobretudo, críticas severas ao desempenho do atual líder, dizendo duvidar que Seguro “deva falar sobre tudo e durante todo o tempo, porque suscita a necessidade de, sendo assim, pronunciar-se sobre as mais exóticas matérias, que talvez não caibam a uma liderança, mas que podem caber a colaboradores, desde que eles existam e tenham qualidade para isso”. Disse ainda que o Partido Socialista tem surgido “demasiado oponente e pouco proponente”.
Foto: Eduardo Costa, Lusa
César estimou mesmo que a liderança partidária pode ficar em causa num cenário de maus resultados eleitorais. “Se houvesse uma situação de anormalidade, em que o PS não obtivesse um bom resultado, é evidente que essa questão deveria ser colocada”, sustentou.
Na sequência desta entrevista a cúpula do PS faria sair um comunicado a enfatizar que “o secretário-geral não fez qualquer convite a Carlos César para encabeçar a lista de candidatos às eleições europeias”. Mais tarde, questionado pelos jornalistas no Parlamento, o próprio Seguro recusar-se-ia a reagir diretamente às palavras de César, repetindo, por duas vezes, uma frase genérica: “O PS está de boa saúde e recomenda-se”.
“Sinto uma profunda angústia pelo que passam milhões de portugueses, os que estão desempregados, os que emigraram, ou os que têm dificuldades em aceder aos cuidados de saúde. Esse é que são os problemas de um político responsável”, afirmava então o líder socialista, para acrescentar que, “a mais de três meses das eleições europeias”, as suas “preocupações e prioridades são os problemas graves que o país atravessa”.