Está concluído o acordo entre o Governo português e o Vaticano para a suspensão, a partir de 2013 e por um período inicial de cinco anos, dos feriados religiosos do Corpo de Deus, até agora celebrado 60 dias depois da Páscoa, e de Todos os Santos, a 1 de novembro. É também a partir do próximo ano que vão ser subtraídos os feriados civis do 5 de Outubro e do 1.º de Dezembro. O ministro da Economia insiste na tese de que esta medida vai contribuir para pôr o país a produzir mais riqueza. Entre os partidos da Oposição, à semelhança da CGTP, é denunciado um retrocesso nas relações do trabalho.
Foi à chegada a um jantar com empresários portugueses e espanhóis na sede da Fundação AEP, no Porto, que Santos Pereira falou do acordo selado com a Santa Sé para a suspensão dos feriados religiosos do Corpo de Deus - que deixará de ser celebrado a uma quinta-feira, 60 dias após o domingo de Páscoa, passando a solenidade para o domingo seguinte - e de Todos os Santos, a par das datas civis do 5 de Outubro (Implantação da República) e do 1.º de Dezembro (Restauração da Independência).
“O Governo, nos últimos meses, fez um grande esforço de diálogo, tanto com os parceiros sociais como com a Santa Sé. Fizeram-se as diligências e negociações necessárias para que possamos eliminar e reduzir o número de feriados, dois civis e dois religiosos, como está no acordo de Concertação Social. Agora foi o culminar dessas negociações e já tivemos um parecer da Santa Sé sobre essa questão”, sublinhou na última noite o governante.
Reavaliação ao fim de cinco anos
O entendimento obtido com o Vaticano foi ontem confirmado pelo Governo através de uma nota conjunta dos ministérios da Economia e dos Negócios Estrangeiros. O comunicado indica que “a eliminação” das quatro datas só ocorrerá a partir do início de 2013 e que “no final do período de cinco anos a República Portuguesa e a Santa Sé reavaliarão os termos do seu acordo”. O texto não fecha explicitamente a porta a uma prorrogação da medida para lá de 2018 – quer no âmbito religioso, quer no que diz respeito aos feriados civis.
“Tendo em conta as preocupações manifestadas por alguns parceiros subscritores do acordo de Concertação Social, bem como as exigências legais aplicáveis em matéria de entrada em vigor das alterações à legislação laboral, a eliminação dos feriados de Corpo de Deus, 5 de Outubro, 1 de Novembro e 1 de Dezembro apenas produzirá efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013”, lê-se no comunicado dos ministérios.
“Na base deste compromisso encontra-se a preocupação de acompanhar, por esta via, os esforços de Portugal e dos portugueses para superar a crise económica e financeira que o país atravessa”, prossegue a nota, para acrescentar que “o Governo enaltece o sentido de responsabilidade demonstrado pelos parceiros sociais e salienta a disponibilidade e a abordagem construtiva da Santa Sé e da Conferência Episcopal”.
O Governo alega ainda que a decisão de apagar quatro dos feriados comemorados no país a partir de 2013 vai “ao encontro do melhor planeamento dos calendários das famílias e das empresas no corrente ano”.
“Regresso ao feudalismo”
Questionado sobre uma eventual equiparação do período de corte dos feriados com o calendário de reposição gradual dos subsídios de férias e de Natal, que o Governo situa agora entre 2015 e 2018, o ministro da Economia quis garantir que “não tem nada a ver uma questão com a outra”: “Rigorosamente nada. Foi uma questão das negociações com a Santa Sé, em que foi estabelecido que dentro de cinco anos se irá revisitar essa questão, só isso”.
Da CGTP, que não subscreveu o acordo de Concertação Social, saem duras críticas à decisão política ontem caucionada pelo Vaticano. Conhecidos os termos do entendimento, o secretário-geral da Intersindical estimou que o país está confrontado com “um regresso ao feudalismo”.
“A nossa posição é contrária ao que acabou de ser anunciado, porque esta é mais uma pela de um puzzle mais extenso. Nós estamos a falar da suspensão de quatro feriados e temos de acrescentar mais três dias de férias que o Governo quer tirar aos trabalhadores”, reagiu Arménio Carlos, para quem a medida acabará por “colocar os trabalhadores a trabalhar sete dias gratuitamente por ano, regressando ao tempo do feudalismo, em que os servos na altura eram obrigados a trabalhar gratuitamente para o seus senhores”.
Entre os signatários do acordo laboral tripartido, o secretário-geral da UGT, João Proença, manifestou, por sua vez, a expectativa de que a suspensão de feriados civis e religiosos seja temporária: “Esperamos que daqui a cinco anos, também ao mesmo tempo, sejam revistos os dois e que se acabe com esta redução de feriados que, quanto a nós, não vai conduzir a um aumento de produtividade”.
“Um retrocesso histórico”
Também o líder parlamentar do PS entende que “a produtividade, uma questão importante em Portugal, não se resolve com a supressão dos feriados”. No termo de uma reunião dos deputados do maior partido da Oposição, Carlos Zorrinho exigiu ainda que, “havendo supressão, deve haver um tratamento igual em relação aos feriados religiosos e não religiosos”. Porque “não faz sentido que alguns feriados sejam suspensos de forma temporária e outros de forma definitiva”.
Ouvido pela Antena 1, o deputado socialista Miguel Laranjeiro assinalou que os portugueses não têm “feriados a mais em termos da média da União Europeia”. “Não trabalhamos horas a menos relativamente à média da União Europeia. Portanto, o Partido Socialista é contra a extinção dos feriados, sejam eles civis ou religiosos”, frisou.
Em declarações à rádio pública, a deputada comunista Rita Rato condenou o que considerou ser “um roubo com data marcada”. Outra voz do PCP a reprovar a medida do Governo foi a de António Filipe. Na RTP Informação, o deputado afirmou que, a partir do próximo ano, haverá “quatro dias de trabalho gratuito que os trabalhadores vão ter que prestar”. “Nós estamos perante um retrocesso histórico nas relações de trabalho que são quatro dias em que os trabalhadores portugueses vão ser obrigados a trabalhar de borla, ponto final”, rematou.
A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Aiveca também não vê ganhos de competitividade no corte de feriados: “Não é por aí. Teriam que ser tomadas medidas de criação de emprego, essas é que são as medidas que poderiam fazer crescer a economia”.
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