O Presidente da República desvalorizou "alguma polémica estéril" em torno da sua ausência nas exéquias de José Saramago, garantindo que o Chefe de Estado fez o que lhe competia nessa posição e justificou-a com a importância de uma promessa. A Esquerda vê com bons olhos os restos mortais do escritor no Panteão Nacional.
"O que um chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos. Devo dizer que nunca tive o privilégio na minha vida, se me recordo, de alguma vez conhecer ou encontrar José Saramago", declarou o Presidente da República.
Cavaco recordou aos jornalistas que na sua qualidade de Presidente da República emitiu "uma nota oficial prestando homenagem à obra literária de José Saramago e ao seu contributo para a projecção da cultura portuguesa no Mundo", ao mesmo tempo que enviou uma coroa de flores tendo para além disso promulgado o decreto de declaração de dois dias de luto nacional de iniciativa do governo de José Sócrates.
Em sua representação, o chefe da Casa Civil e o chefe da Casa Militar deslocaram-se à Câmara Municipal de Lisboa onde se encontrava o corpo de José Saramago a ser velado para apresentarem condolências à família.
"Hoje de manhã o meu chefe da Casa Civil e o meu chefe da Casa Militar apresentaram sentidas condolências aos familiares de José Saramago", referiu Cavaco.
Cavaco Silva justificou a sua não vinda a Lisboa com o primado do cumprimento de uma promessa. O antigo primeiro-ministro do governo em que o Subsecretário de Estado da Cultura, Sousa Lara impediu que Saramago concorresse com o Evangelho segundo Jesus Cristo ao Prémio Literário Europeu, explicou que "todos os portugueses sabem que desde quinta feira à noite estou nos Açores, em S. Miguel, cumprindo uma promessa que fiz há muito tempo a toda a minha família, filhos e netos, de lhes mostrar as belezas desta região".
A ausência não deixou no entanto, de gerar polémica. Notada foi a sua ausência bem como a do Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, também em férias.
Antigos Presidentes da República, como Ramalho Eanes para quem Cavaco Silva "se associou à homenagem através da sua mensagem" e que se não deve fazer "qualquer aproveitamento político, mesmo que aparente" da questão, e Mário Soares que não qualificou a ausência do Presidente que remeteu para o seu foro pessoal de competência, não deixando no entanto de ir afirmando que no seu caso, se esteve presente numa altura em que já não é presidente, quando o era certamente que teria comparecido à cerimónia.
"Esquecer a mesquinhez do passado"A verdade é que vozes ouve que se levantaram contra a eventual ausência do Chefe de Estado.
Francisco Louçã foi um dos intérpretes de chamadas de atenção a Cavaco Silva. Já no sábado à noite o líder do Bloco de Esquerda tinha lançado um apelo a Cavaco Silva para que se fizesse representar no funeral.
"Houve um Governo de Cavaco Silva e um secretário de Estado cujo nome o país não recorda que atacou a sua obra por perseguição política, e nessa altura, (Saramago) escolheu viver em Lanzarote (Espanha), mantendo as suas pontes com Portugal", lembrou Louça.
O líder bloquista afirmou, porém, que, "passado esse passado, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, não deve deixar que nenhuma névoa permita qualquer confusão com aquilo que foi a mesquinhez de atitudes do passado", quando o seu Governo censurou um dos livros do prémio Nobel, o Evangelho Segundo Jesus Cristo.
"Presença espiritual física mais importante que a física"Marcelo Rebelo de Sousa considera que Cavaco Silva esteve presente espiritualmente e essa presença suplanta a presença física.
À saída da Câmara Municipal de Lisboa de onde o corpo partiu em cortejo para o cemitério do Alto S. João onde foi cremado, o conselheiro de Estado disse "o Presidente associou-se, através de uma mensagem, ao sentido nacional desta homenagem, e está presente no luto nacional destes dois dias".
"Ele não está presente fisicamente, mas está presente espiritualmente, representando os portugueses. Eu penso que a mensagem do Presidente é mais importante do que a sua presença", acrescentou.
"O Presidente, desde que se soube da morte, definiu a sua posição, e fez bem em definir, porque definiu uma posição em nome do povo português", afirmou o antigo líder social-democrata que concluiu afirmando que "é o povo português, a nação portuguesa, homenageia, toda ela, José Saramago. Não é a homenagem de um partido, não é a homenagem de uma ideologia, é a homenagem de uma nação, independentemente das ideologias - e o Presidente disse isso mesmo, que era uma figura essencial da cultura portuguesa. Eu acho que é mais importante essa presença espiritual do que a presença física".
Passos Coelho não quer alimentar polémicasO presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, está entre aqueles que desvaloriza a ausência do Presidente da República nas cerimónias fúnebres de José Saramago, estando de acordo com o Presidente da Republica quando ele afirma que cumpriu as funções de chefe de Estado.
À margem de um almoço-convívio em Leiria, Passos Coelho afirmou não querer contribuir para polémicas no dia do adeus a José Saramago. "O senhor Presidente da República enviou como chefe de Estado uma mensagem na qual eu, como português, me revejo", afirmou.
O presidente do PSD salientou ainda que, por momentos, é preciso "pôr de lado algumas dessas polémicas e concentrarmo-nos no que é essencial, num dia em que uma pessoa com a grandeza de José Saramago deixa um vazio na nossa cultura".
Soares propôs que cinzas fossem para o Panteão NacionalHipótese levantada por Mário Soares defendeu a ideia de colocar os restos mortais do escritor no Panteão Nacional, mas já esclareceu posteriormente que deve ser respeitada a vontade manifestada em vida pelo Nobel da Literatura.
O secretário-Geral do Partido Comunista Português, partido a que desde há muito anos Saramago pertencia e cujos ideais sempre defendeu, aprecia a proposta do antigo líder socialista, mas remete a decisão para a família do escritor. "Nós não temos opinião formada sobre isso. É uma questão em que a família tem uma palavra decisiva. Aquilo que relevamos é a grande homenagem que o povo e o Estado português lhe estão a fazer neste momento. Isso é que é marcante", declarou o líder comunista.A decisão, caso reunisse a concordância da família de colocar os restos mortais de José Saramgo no Panteão Nacional onde se encontra Amália Rodrigues, competiria à Assembleia da República. "Teria naturalmente o nosso apoio, mas não fazemos disso a questão das questões. Esta grande homenagem nacional é o que conta e o que contaria certamente para José Saramago", afirma Jerónimo de Sousa.
Tambem o Bloco de esquwera não vê com maus olhos essa transferência mas também considera que é uma decisão que compete em primeira linha à família.
"Não teremos nenhuma intervenção que se sobreponha ou que insinue qualquer opção que não seja a da vontade livre de um homem livre que foi José Saramago", afirmou Francisco Louçã.
Mas em caso de a opção se colocar o Bloco de esquerda não se oporia e até veria com bons olhos essa possibilidade.
"O respeito que o país tem que ter em relação a um dos grandes cultores da língua portuguesa e único Prémio Nobel da Literatura deve ser depois avaliado neste contexto. E o país deve dar o melhor de si para sublinhar o papel grande que José Saramago teve no século XX e XXI para nos fazer maiores".