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Cavaco Silva desvaloriza a sua ausência no funeral de Saramago

por Eduardo Caetano, RTP
De férias nos Açores para cumprir promessa a netos, fez-se representar pelos chefes das casas civil e militar Eduardo Costa, Lusa

O Presidente da República desvalorizou "alguma polémica estéril" em torno da sua ausência nas exéquias de José Saramago, garantindo que o Chefe de Estado fez o que lhe competia nessa posição e justificou-a com a importância de uma promessa. A Esquerda vê com bons olhos os restos mortais do escritor no Panteão Nacional.

De férias na Ilha de São Miguel, onde se encontra há quatro dias, Cavaco Silva, questionado pela comunicação social em relação à polémica gerada pela sua ausência em Lisboa no Funeral do Prémio Nobel da Literatura português, esclareceu o queum Chefe de Estado deve fazer é "diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos".

"O que um chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos. Devo dizer que nunca tive o privilégio na minha vida, se me recordo, de alguma vez conhecer ou encontrar José Saramago", declarou o Presidente da República.

Cavaco recordou aos jornalistas que na sua qualidade de Presidente da República emitiu "uma nota oficial prestando homenagem à obra literária de José Saramago e ao seu contributo para a projecção da cultura portuguesa no Mundo", ao mesmo tempo que enviou uma coroa de flores tendo para além disso promulgado o decreto de declaração de dois dias de luto nacional de iniciativa do governo de José Sócrates.

Em sua representação, o chefe da Casa Civil e o chefe da Casa Militar deslocaram-se à Câmara Municipal de Lisboa onde se encontrava o corpo de José Saramago a ser velado para apresentarem condolências à família.

"Hoje de manhã o meu chefe da Casa Civil e o meu chefe da Casa Militar apresentaram sentidas condolências aos familiares de José Saramago", referiu Cavaco.

Cavaco Silva justificou a sua não vinda a Lisboa com o primado do cumprimento de uma promessa. O antigo primeiro-ministro do governo em que o Subsecretário de Estado da Cultura, Sousa Lara impediu que Saramago concorresse com o Evangelho segundo Jesus Cristo ao Prémio Literário Europeu, explicou que "todos os portugueses sabem que desde quinta feira à noite estou nos Açores, em S. Miguel, cumprindo uma promessa que fiz há muito tempo a toda a minha família, filhos e netos, de lhes mostrar as belezas desta região".

A ausência não deixou no entanto, de gerar polémica. Notada foi a sua ausência bem como a do Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, também em férias.

Antigos Presidentes da República, como Ramalho Eanes para quem Cavaco Silva "se associou à homenagem através da sua mensagem" e que se não deve fazer "qualquer aproveitamento político, mesmo que aparente" da questão, e Mário Soares que não qualificou a ausência do Presidente que remeteu para o seu foro pessoal de competência, não deixando no entanto de ir afirmando que no seu caso, se esteve presente numa altura em que já não é presidente, quando o era certamente que teria comparecido à cerimónia.

"Esquecer a mesquinhez do passado"A verdade é que vozes ouve que se levantaram contra a eventual ausência do Chefe de Estado.

Francisco Louçã foi um dos intérpretes de chamadas de atenção a Cavaco Silva. Já no sábado à noite o líder do Bloco de Esquerda tinha lançado um apelo a Cavaco Silva para que se fizesse representar no funeral.

"Houve um Governo de Cavaco Silva e um secretário de Estado cujo nome o país não recorda que atacou a sua obra por perseguição política, e nessa altura, (Saramago) escolheu viver em Lanzarote (Espanha), mantendo as suas pontes com Portugal", lembrou Louça.

O líder bloquista afirmou, porém, que, "passado esse passado, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, não deve deixar que nenhuma névoa permita qualquer confusão com aquilo que foi a mesquinhez de atitudes do passado", quando o seu Governo censurou um dos livros do prémio Nobel, o Evangelho Segundo Jesus Cristo.

"Presença espiritual física mais importante que a física"Marcelo Rebelo de Sousa considera que Cavaco Silva esteve presente espiritualmente e essa presença suplanta a presença física.

À saída da Câmara Municipal de Lisboa de onde o corpo partiu em cortejo para o cemitério do Alto S. João onde foi cremado, o conselheiro de Estado disse "o Presidente associou-se, através de uma mensagem, ao sentido nacional desta homenagem, e está presente no luto nacional destes dois dias".

"Ele não está presente fisicamente, mas está presente espiritualmente, representando os portugueses. Eu penso que a mensagem do Presidente é mais importante do que a sua presença", acrescentou.

"O Presidente, desde que se soube da morte, definiu a sua posição, e fez bem em definir, porque definiu uma posição em nome do povo português", afirmou o antigo líder social-democrata que concluiu afirmando que "é o povo português, a nação portuguesa, homenageia, toda ela, José Saramago. Não é a homenagem de um partido, não é a homenagem de uma ideologia, é a homenagem de uma nação, independentemente das ideologias - e o Presidente disse isso mesmo, que era uma figura essencial da cultura portuguesa. Eu acho que é mais importante essa presença espiritual do que a presença física". 

Passos Coelho não quer alimentar polémicasO presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, está entre aqueles que desvaloriza a ausência do Presidente da República nas cerimónias fúnebres de José Saramago, estando de acordo com o Presidente da Republica quando ele afirma que cumpriu as funções de chefe de Estado.

À margem de um almoço-convívio em Leiria, Passos Coelho afirmou não querer contribuir para polémicas no dia do adeus a José Saramago. "O senhor Presidente da República enviou como chefe de Estado uma mensagem na qual eu, como português, me revejo", afirmou.

O presidente do PSD salientou ainda que, por momentos, é preciso "pôr de lado algumas dessas polémicas e concentrarmo-nos no que é essencial, num dia em que uma pessoa com a grandeza de José Saramago deixa um vazio na nossa cultura".

Soares propôs que cinzas fossem para o Panteão NacionalHipótese levantada por Mário Soares defendeu a ideia de colocar os restos mortais do escritor no Panteão Nacional, mas já esclareceu posteriormente que deve ser respeitada a vontade manifestada em vida pelo Nobel da Literatura.

O secretário-Geral do Partido Comunista Português, partido a que desde há muito anos Saramago pertencia e cujos ideais sempre defendeu, aprecia a proposta do antigo líder socialista, mas remete a decisão para a família do escritor. "Nós não temos opinião formada sobre isso. É uma questão em que a família tem uma palavra decisiva. Aquilo que relevamos é a grande homenagem que o povo e o Estado português lhe estão a fazer neste momento. Isso é que é marcante", declarou o líder comunista.

A decisão, caso reunisse a concordância da família de colocar os restos mortais de José Saramgo no Panteão Nacional onde se encontra Amália Rodrigues, competiria à Assembleia da República. "Teria naturalmente o nosso apoio, mas não fazemos disso a questão das questões. Esta grande homenagem nacional é o que conta e o que contaria certamente para José Saramago", afirma Jerónimo de Sousa.

Tambem o Bloco de esquwera não vê com maus olhos essa transferência mas também considera que é uma decisão que compete em primeira linha à família.

"Não teremos nenhuma intervenção que se sobreponha ou que insinue qualquer opção que não seja a da vontade livre de um homem livre que foi José Saramago", afirmou Francisco Louçã.

Mas em caso de a opção se colocar o Bloco de esquerda não se oporia e até veria com bons olhos essa possibilidade.

"O respeito que o país tem que ter em relação a um dos grandes cultores da língua portuguesa e único Prémio Nobel da Literatura deve ser depois avaliado neste contexto. E o país deve dar o melhor de si para sublinhar o papel grande que José Saramago teve no século XX e XXI para nos fazer maiores".

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