Pela primeira vez, a realidade do combate à corrupção em Portugal foi passada a pente fino. E a conclusão do estudo inédito é que "apesar dos esforços", muitas das leis "estão viciadas à nascença, com graves defeitos de conceção e formatação," o que as torna ineficazes. Portugal apresenta assim no combate à corrupção "resultados mais baixos do que seria de esperar para um país desenvolvido."
Clima de impunidade
Ao analisar a capacidade de combate à corrupção em 13 organismos institucionais, o estudo conclui pela existência de "uma série de deficiências."
Estas resultarão da "falta de uma estratégia nacional de combate a esta criminalidade complexa," já que "nenhum Governo até hoje estabeleceu, objetivamente, uma política de combate à corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos e de intenções simbólicas."
Aliás, no tocante à política e à atividade governativa, o estudo faz um diagnóstico severo. Vive-se um clima de impunidade, marcado pela "falta de honestidade para com os cidadãos e pela falta de sancionamento" das irregularidades praticadas pelos políticos, ambas possibilitadas pela falta de mecanismos de supervisão e de fiscalização.
O relatório sublinha aliás que a ineficácia do combate à corrupção em Portugal resulta também da "fraca qualidade" da comunicação social e da sociedade civil, concluindo que ambas são incapazes de acompanhar os processos de produção de legislação e de "denunciar a má qualidade dos diplomas."
Promessas, promessas..
A ineficácia legislativa resulta, para os analistas, de "uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores." Apesar das promessas, o combate à corrupção acaba travado por leis que permitem o branqueamento de capitais.
O relatório destaca a falta de transparência no tocante a rendimentos e a património antes, durante e depois do exercício de cargos governativos e as prioridades nas execuções orçamentais dos ministérios, que privilegiam o clientelismo, o eleitoralismo e a cunha, levando a gastos excessivos.
O relatório sustém que as leis anti-corrupção aprovadas contêm "várias lacunas" que "comprometem a sua implementação" e denuncia a quase inexistência de "sentenças com penas de prisão efectiva" de punição de corrupção. Portugal é assim "o país dos buracos e derrapagens financeiras."
Governos pouco transparentes
Entre as grandes falhas detetadas estão a "cunha" e a troca de favores, "institucionalizadas" entre "colegas do mesmo Governo", acrescentando que a "monitorização de conflitos de interesse é inexistente," o que afeta a transparência do executivo.
Os Governos portugueses não costumam, por exemplo, revelar informações sobre o número de assessores, salienta o estudo e acrescenta, "os gastos são muitas vezes realizados por razões meramente eleitoralistas e clientelares e os gabinetes ministeriais não são solidários com as restrições orçamentais que impõem aos serviços públicos sob a sua tutela."
Outras situações de "incompatibilidades, opacidade e gastos excessivos" ocorrem com os pareceres solicitados a firmas de advogados "com relações diretas com alguns membros do governo, em vez de serem solicitados aos departamentos jurídicos da Administração Pública".
Recomendações do estudo
Como solução para estes problemas, os responsáveis do relatório sugerem que Ministério Público e o Tribunal Constitucional sejam mais "ativos" na fiscalização das declarações patrimoniais e que o regime de incompatibilidades e a entrega de registos de interesses seja alargado aos membros dos gabinetes ministeriais.
Como recomendações, surgem ainda a criação de "um organismo especializado de combate à corrupção", a "verdadeira 'despartidirização' da Administração Pública" e a descriminalização da difamação, que tem sido um obstáculo à denúncia.
Relatório apresentado segunda-feira
O relatório foi elaborado a partir de entrevistas realizadas a cerca de quatro dezenas de personalidades de diferentes setores de atividade, incluindo o provedor de Justiça, magistrados, juízes, dirigentes de organismos estatais, professores universitários e jornalistas.
Os responsáveis pelo estudo vão apresentar os resultados na segunda-feira, 7 de maio, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa numa sessão sob o tema "Onde falha o combate à corrupção em Portugal? - Limitações de natureza política, legal, institucional, cultural e financeira", moderado por António Costa Pinto.
O projeto Sistema Nacional de Integridade, SNI, insere-se na iniciativa Transparency International, que se desenvolveu em 26 países com o patrocínio da Comissão Europeia. Em Portugal foi realizado pela representante da iniciativa, a associação Transparência e Integridade, em conjunto com o centro Inteli - Inteligência e Inovação e Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.