Mobilidade por doença: milhares de professores à espera

por Sandra Salvado - RTP
Pedro A. Pina - RTP

Dois dias depois de divulgada a lista de colocação de mais de sete mil docentes, em cima do arranque do ano letivo, aguarda-se ainda a lista dos que concorreram a uma colocação ao abrigo da mobilidade por doença. Entretanto, muitos deles já ficaram colocados noutras escolas, onde têm de se apresentar, a centenas de quilómetros de distância de casa, sabendo que, muito provavelmente, não vão ocupar a vaga por motivo de doença. O Sindicato dos Professores da Região Centro disse ao online da RTP que são milhares os professores nestas condições. Já o Ministério da Educação remeteu uma resposta para a próxima semana, altura em que serão publicados os resultados.

Enquanto isso não acontece, permanece a dúvida e a ansiedade para muitas famílias, como é o caso de Dulce Luís.

É professora do 1º ciclo há 21 anos, reside em Alcains, no distrito de Castelo Branco, mas está colocada em Tábua, no distrito de Coimbra, há mais de 15 anos, ficando por isso a cerca de 200 quilómetros da sua habitação. Não é caso único, mas uma deficiência irreversível da sua filha de sete anos de idade obriga-a a permanecer na sua área de residência e a candidatar-se à mobilidade por doença.

Ao online da RTP, Dulce Luís lamenta que o processo deste ano tenha sido feito tardiamente. Como os resultados ainda não foram publicados, não sabe se o seu pedido vai ser aceite. Entretanto, como ficou colocada numa escola em Tábua, a solução foi pedir atestado médico.

“Desde que a minha filha nasceu que precisa de cuidados médicos, consultas especializadas, terapia da fala e tenho pedido destacamento por condições específicas. Este ano, as coisas atrasaram. É sempre um impasse, um stress. Infelizmente a deficiência dela é irreversível, é para o resto da vida e todos os anos tenho de fazer este tipo de concurso para me aproximar da residência e dar a devida atenção e os cuidados médicos que a menina precisa”, lamentou esta professora.

Nos termos do Estatuto da Carreira Docente, os professores do quadro podem pedir a transferência de escola no caso de doença dos próprios ou de familiares, de modo a ficarem mais próximos dos locais de tratamento ou da sua residência, visto que muitos estão colocados longe.

O gabinete de Tiago Brandão Rodrigues fez saber que “a mobilidade por doença é um procedimento distinto do concurso de mobilidade interna e não implica necessariamente a existência de horário para que os docentes sejam movimentados para o Agrupamento de Escolas/Escola Não Agrupada que pretendem”.

“Todos os professores de carreira estão, de momento, colocados, independentemente de terem sido opositores ou não à Mobilidade por Doença. A Mobilidade por Doença é um procedimento que permite o destacamento para um Agrupamento de Escolas/Escola Não Agrupada mais favorável para o docente a nível de cuidados médicos”, acrescenta a mesma nota.
Despacho publicado a 13 de julho
Embora o Ministério não tenha respondido concretamente à pergunta sobre esta matéria, a RTP sabe que, como a negociação relativa ao novo Despacho regulador da Mobilidade de professores por motivo de doença só foi publicado no dia 13 de julho, todo o processo se atrasou.

“Só nos últimos dias de julho é que saiu o concurso e só tínhamos de 1 a 5 de agosto para os médicos assinarem os papéis, ao passo que, no ano passado, em julho, eu já sabia de tudo, e este ano foi extremamente tarde. Vou meter atestado médico porque eu não tenho condições para ir para Tábua", referiu a professora do 1º ciclo, Dulce Luís.

O Ministério clarifica, através de uma nota divulgada pela DGAE – Direção-Geral da Administração Escolar, no dia 30 de agosto, que “está acautelada a apresentação dos docentes na última escola (aquela em que estiveram em mobilidade até 31.08.2016) até à saída das listas".

À RTP, o Ministério da Educação, referiu ainda, que a exceção é a dos casos dos docentes que concorreram nos dois processos: Mobilidade Interna e Mobilidade por Doença, como é o caso relatado pela professora Dulce Luís. “Nestes casos devem aceitar a colocação por Mobilidade Interna (listas publicadas esta semana) e, se colocados em escola diferente na lista de Mobilidade por Doença, fazer nova apresentação (caso prefiram essa escola)”.
Resultados em julho
Uma coisa é certa: docentes, sindicatos e responsáveis de escolas querem que os professores sejam colocados até ao final de julho.

“A última semana de agosto é sempre uma grande angústia, porque os resultados estão sempre para sair mas nunca há uma data específica e saem sempre na data limite. É uma semana muito stressante porque há muita coisa em causa. O que acontece é que, a partir do momento em que saem as listas, o professor tem 72 horas para se apresentar. Infelizmente, é algo a que já estamos habituados. A mim parece-me que tudo o que tem a ver com aprovação de turmas podia ter lugar mais cedo. Este ano, o ministério foi até meados de agosto para aprovar turmas ou não, e obviamente, que isso atrasa o processo”, confessou à RTP Mónica Oliveira, professora de inglês há 18 anos.

A sorte sorriu-lhe, já que ficou colocada em Valongo, a apenas 15 quilómetros de casa, Gondomar. No entanto, Mónica não esconde a injustiça que sente, relativamente aos professores que estão abaixo na graduação e que vão ficar com as vagas deixadas pelos professores que concorreram ao abrigo da mobilidade por doença.

“As listas de mobilidade por doença ainda não saíram, o que significa que há muitas pessoas que foram colocadas mas que, entretanto, irão obter outra colocação. Portanto, irão libertar essas vagas onde ficaram agora. Não sei o aconteceu, não é habitual. Normalmente, as listas de mobilidade por doença saem antes ou ao mesmo tempo que estas. Mais uma vez, é um processo que se atrasa. Agora ficaram os professores por ordem da lista de graduação, o que quer dizer que, depois esses horários [os que já ficaram colocados mas que pediram mobilidade por doença] vão ficar para professores que estão abaixo na lista de graduação”, constatou Mónica Oliveira.

A mesma opinião é partilhada por Maria da Cruz Marques, do Sindicato dos Professores da Região Centro. A dirigente sindical referiu que todo o processo do concurso da mobilidade por doença decorreu muito tardiamente e vai penalizar muitos professores.

“A situação é de muita ansiedade porque muitos têm que se apresentar em escolas em qualquer ponto do país”. Para Maria da Cruz Marques, se o processo decorresse em “bom tempo”, estas vagas seriam logo recuperadas e cada um ocuparia efetivamente o lugar a que tinha direito.

Sobre esta questão, o Ministério da Educação disse à RTP que “os docentes opositores à mobilidade por doença não ocupam necessariamente horário e não necessitam da existência de horário para que o seu pedido de mobilidade por doença seja autorizado. O processo de mobilidade por doença é um processo complexo que, não sendo um procedimento concursal, é feito operar em momento posterior à Mobilidade Interna para minimizar o impacto na ocupação de horários”.

Ficou por esclarecer, novamente, a questão das vagas que os docentes colocados ao abrigo da mobilidade por doença vão libertar.

Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, considera positivo que todos os horários completos pedidos pelas escolas tenham ficado preenchidos na contratação inicial, no entanto, afirma que o concurso devia estar concluído no final de julho.

Este responsável observa que a legislação é muito burocrática e morosa, defendendo que a lei tem de ser alterada. “Nunca nenhum Governo conseguiu colocar os professores antes da data de 30 de agosto ou 31 e começa a ser uma normalidade anormal e não pode ser, porque estes professores não podem saber hoje [na terça-feira] que têm que se apresentar durante esta semana, longe das suas casas, muitas vezes, a centenas de quilómetros. Isto é um problema de há muitos anos que nenhum Governo se preocupou em resolver. Eu acho que o nosso ministro, que entrou há menos de um ano em funções, tem uma grande oportunidade para marcar muitos pontos se conseguir resolver este problema no próximo ano letivo”.

Para Filinto Lima, há situações que podem ser antecipadas como a validação de turmas, trabalho burocrático que depende das escolas, mas que também depende de autorizações do Ministério da Educação “e que têm que ser antecipados”. E acrescenta: “Sendo feito tardiamente vai atrasar em relação ao pedido de horários das escolas e a colocação dos professores nas respetivas escolas”.

No concurso de professores para este ano letivo 2016/2017 ficaram colocados 7.306 docentes nas escolas em contratação inicial e mobilidade interna, de acordo com os dados divulgados na terça-feira pelo Ministério da Educação, o que corresponde a um acréscimo de cerca de 500 professores em comparação com o ano anterior.
Bolsa de escolas extinta
"No ano passado foram contratados 3.782 professores em contratação inicial e 3.030 em Bolsa de Contratação de Escolas (BCE), procedimento que correu após a contratação inicial. Isto significa que, nesta fase, estão colocados mais 3.524 professores contratados do que no mesmo momento do ano anterior, ou seja, no penúltimo dia útil do mês de agosto", refere o comunicado do gabinete do ministro da Educação.

A BCE, um concurso de colocação de professores específico para escolas com contrato de autonomia ou classificadas como Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), foi extinta pelo Ministério de Tiago Brandão Rodrigues, por considerar que este modelo não funcionou, causando o atraso de meses na colocação de professores.

"As listas foram divulgadas no penúltimo dia útil do mês de agosto, tal como aconteceu em 2015-2016, ficando, na realidade, os professores colocados mais cedo, uma vez que não estão sujeitos aos procedimentos morosos e burocráticos da BCE", pode ler-se no mesmo comunicado.

O Ministério referiu ainda que, em relação aos horários completos, "todos os horários solicitados pelas escolas foram já preenchidos pelos professores colocados nesta fase, de acordo com as preferências manifestadas pelos mesmos. O processo de colocação de professores seguirá normalmente, estando reunidas todas as condições para um regular início do ano letivo”, concluiu a mesma nota publicada na página do ministério da Educação na terça-feira.
Atingir a meta
Sobre os sucessivos atrasos na publicação das listas de professores e sobre o facto de estes poderem ser conhecidos mais cedo, o Ministério da Educação referiu que “o necessário é trabalhar para criar as condições para que num futuro próximo possamos atingir essa meta”.

O gabinete de Tiago Brandão Rodrigues acrescentou, ainda, que “um concurso de docentes é um processo com variadíssimas etapas e múltiplas variáveis que têm de estar em consonância e sempre alinhadas. É verdade que o produto final são as colocações no final do mês de agosto (no caso da mobilidade interna e contratação inicial), mas também é verdade que todos os anos “o concurso”, ou “concursos” começam a ser desenhados, preparados, elaborados e encetados em janeiro”.

Depois de conhecidos os resultados do concurso da passada terça-feira, a Fenprof - Federação Nacional dos Professores – veio alertar para o facto de mais de 1.500 professores dos quadros estarem em situação de horário-zero, isto é, sem turma atribuída.
Oito mil contratados
"Feitas as contas, este ano não obtiveram colocação nesta fase 1.572 professores, isto é, mais 378 que no ano passado e mais 655 que há dois anos", referiu a Fenprof. E acrescentou: "Estes professores são todos necessários às escolas, pois sem eles não será possível universalizar a resposta de educação pré-escolar, não haverá valorização do 1.º ciclo e não teremos uma resposta múltipla nas suas respostas, diferente da que o governo anterior tentou impor. Da equipa ministerial espera-se que, até ao início das aulas, as escolas possam contar com todos os seus professores, incluindo estes, o que significa reduzir a zero a lista de docentes que se mantém com horário-zero", pode ler-se no comunicado publicado por esta federação de professores.

A Fenprof afirma que,  28.797 candidatos, dos 36.103 não conseguiram colocação, pelo que até final do primeiro período letivo, mais de oito mil professores devem ser contratados pelas escolas.

“Ainda assim, 20 mil ficarão no desemprego, não podendo esquecer-se que, nos últimos 5 anos, mais de 12 mil professores desapareceram dos concursos, o que significa que desistiram de concorrer", refere o mesmo comunicado.


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