É um negócio que pode chegar aos 9 milhões de euros mas que foi suspenso por suspeitas de irregularidades. Falamos-lhe do lixo que Portugal está a importar à polémica região italiana de Nápoles. O problema é que estas análises só foram feitas depois da investigação lançada pela RTP.
O lixo só entrou em Portugal porque vinha descrito como lixo urbano considerado não perigoso. A informação é confirmada em três relatórios produzidos em Itália, aos quais o Sexta às 9 teve acesso. Foram todos feitos em maio, cinco meses antes de o lixo ter sido enviado de barco para Portugal.
Nas amostras recolhidas, os técnicos não encontraram qualquer resíduo perigoso. Consideraram por isso estar perante lixo processado que pode ser vendido em segurança.
A Agência Portuguesa do Ambiente não mandou fiscalizar o lixo. A Inspeção-Geral do Ambiente, quando confrontada pela RTP com a notícia, teve opinião diferente. O inspetor-geral Nuno Banza mandou recolher amostras para análise, tendo-as enviado para o laboratório do Instituto Superior Técnico.
CITRI sem autorização
Esta semana, as análises encomendadas pela Inspeção-Geral do Ambiente confirmaram as piores suspeitas. As amostras recolhidas às três mil toneladas de lixo demonstram uma concentração de carbono orgânico dissolvido acima de mil miligramas por quilograma de matéria seca.
A lei 183 de 2009 diz expressamente que este valor pode ser ultrapassado sempre que o aterro for especialmente destinado à admissão de resíduos orgânicos ou sempre que se tratar de um resíduo que não seja suscetível de fermentar.
O CITRI garante que tem estas condições num aterro preparado para receber resíduos biodegradáveis e resíduos de origem orgânica.
Esta empresa de Setúbal assegura ter cumprido todas as regras e adianta ter mandado fazer análises independentes, apesar de não estar obrigada.
Por uma questão de prudência, o CITRI compromete-se, no entanto, a manter o lixo suspeito em quarentena até os resultados serem esclarecidos.
Discrepância entre relatórios
Permanece por explicar a discrepância entre os valores das análises ao lixo: as que foram feitas em maio em Itália e as agora realizadas em Portugal. O Sexta às 9 verificou os três relatórios italianos.
Nos três se podem ver diferentes resultados para o parâmetro de carbono orgânico dissolvido. Em todos, este valor está abaixo dos mil miligramas tolerados na lei transposta de uma diretiva comunitária.
Até se dissiparem as dúvidas, o Governo proibiu a deposição em aterro destes resíduos provenientes de Itália. O lixo está guardado, alegadamente de quarentena numa célula reservada, na empresa que o recebeu: o CITRI – Centro Integrado de Tratamento de Resíduos Industriais, situado em Setúbal.
Mas, aparentemente, o que é suposto ser uma célula reservada significa ter o lixo na rua com os fardos sujeitos a degradação. É este o cenário que transparece das imagens que foram captadas pela própria empresa que importou estes fardos e enviadas ao Sexta às 9.
Bruxelas alertou
Mas há mais questões ainda, que permanecem sem resposta. A própria Comissão Europeia alertou Portugal há uma semana para o risco de o lixo italiano ser perigoso.
Quando a Inspeção-geral do Ambiente chegou ao Porto de Setúbal, onde o lixo desembarcou, a Autoridade Tributária e Aduaneira não tinha sequer documentação sobre o que vinha nos contentores.
Por escrito, a Autoridade Aduaneira garantiu, no entanto, ter conhecimento da chegada de todas as mercadorias.
Negócio regulamentado
Apesar de suspeito, o negócio de exportação de lixo para Portugal está devidamente regulamentado, sendo feitas inspeções a toneladas de lixo importado. A legislação portuguesa que regula o setor foi transposta de uma diretiva comunitária, que uniformiza as regras para os movimentos transfronteiriços dentro da União Europeia.
Em Portugal, a entidade a quem compete gerir estes processos é a Agência Portuguesa do Ambiente. Duas perguntas impõem-se: quem é o homem forte da APA e quem administra o CITRI, a empresa a quem a APA deu autorização para receber lixo italiano que lhe poderá permitir faturar milhões de euros.
Para além das 20 mil toneladas já recebidas, o CITRI prevê receber um total de 60 mil toneladas vindas de Itália. A preços médios de mercado, a empresa - que teve prejuízos em 2015 – poderá conseguir um encaixe financeiro de três a nove milhões de euros.
Ex-governante lidera CITRI
O Sexta às 9 sabe que o homem forte do CITRI é o administrador Pedro Afonso de Paulo. Foi secretário de Estado do Ambiente no anterior Governo de Pedro Passos Coelho. Apesar da insistência, foi vedada a entrada ao Sexta às 9 no parque onde a empresa tem sede. Também não foi concedido qualquer tipo de entrevista.
Pedro Afonso de Paulo foi nomeado Secretário de Estado do Ambiente no dia 28 de junho de 2011, por despacho. Oito meses depois, a 8 de fevereiro de 2012, Nuno Lacasta foi nomeado presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, em regime de substituição.
A nomeação foi assinada pela então ministra Assunção Cristas, mas o nome foi escolhido por este ex-governante, muito próximo de Miguel Relvas. A 2 de maio de 2014, a CRESAP acabaria por selecioná-lo no concurso que o colocaria definitivamente à frente da APA por um mandato de cinco anos.
A publicação em Diário da República não demorou mais de um mês e meio. Estava assinada pelo então vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva.
Confrontado com estes dados, Nuno Lacasta confirma que Pedro Afonso de Paulo era secretário de Estado do Ambiente à época, mas sublinha que a nomeação foi feita por concurso. Questionado sobre a relação com mantém com o ex-governante, Lacasta afirma que não há “relação profissional nenhuma”.
“Aliás gostava de dar nota de que não falo com ele há vários anos e não falei com ele sobre este processo ou qualquer outro que possa a esta empresa estar relacionada”, afirma.
Por sua vez, Pedro Afonso Paulo recusou dar uma entrevista ao Sexta às 9. Certo é que este ex-secretário de Estado do governo de coligação PSD/CDS tem até quinta-feira para demonstrar à Inspeção Geral do Ambiente que importou lixo seguro de Itália.
Caso não consiga fazê-lo, os fardos que estão agora em Setúbal terão de ser enviados de volta para a região de Campânia ou transferidos para um centro de tratamento que tenha licenciamento para este tipo de resíduos.
Caso o CITRI não cumpra a notificação da Inspeção-Geral do Ambiente, arrisca-se a pagar uma multa entre 12 e 216 mil euros.