Foto: José Manuel Ribeiro - Reuters
O governo deu indicações para esconder prejuízos do antigo BPN com o objetivo de não agravar as contas do défice de 2012.
A atual ministra das Finanças pediu à administração para mexer nas contas e exprimir o cenário mais otimista possível, como admite à Antena 1 a administradora da Parvalorem, Paula Poças.
A 19 de Fevereiro de 2013, a então secretária de Estado do Tesouro conhece, em reunião, as contas da Parvalorem: 577 milhões de euros em imparidades é o número apresentado pela administração da empresa pública onde estão os ativos tóxicos do BPN.
Quanto maiores são os prejuízos da Parvalorem, maior é o défice orçamental. Por isso, os 577 milhões de euros apresentados pela administração foram considerados elevados por Maria Luís Albuquerque. Preocupada com o impacto nas contas públicas, pediu à gestão para mudar as contas e reduzir os prejuízos reconhecidos em 2012.
"O que nos pergunta é qual é a vossa melhor expectativa relativamente à informação que têm e às garantias que têm no momento. E nós considerámos que não fazia sentido estar a agravar no momento já as imparidades, daquele valor", descreve Paula Poças.
De seguida, a administração da Parvalorem leva a cabo uma operação contabilística para diminuir os prejuízos expressos nas contas de 2012, como comprovam os documentos aos quais a Antena 1 teve acesso: reduziu o risco associado aos créditos tóxicos.
Previa nas contas que não ia receber 577 milhões de euros dos relacionados com empréstimos efetuados pelo antigo BPN e esmagou esse valor para 420 milhões de euros. O impacto foi adiado para exercícios futuros.
Numa comunicação enviada a Maria Luís Albuquerque, à qual a Antena 1 teve acesso, a administração da Parvalorem detalha o trabalho efetuado: "Para poder reduzir o valor de 577 milhões de euros, foi necessário analisar todos os créditos com imparidades individuais e reduzir as imparidades colocadas pelos técnicos e aceite pelos auditores". Ou seja, as contas já tinham sido aprovadas tecnicamente, mas a administração refez o trabalho de forma a corresponder ao pedido da tutela.
A administração continua e enumera algumas dificuldades para efetuar a maquilhagem: "Só 41 clientes representam uma variação nas imparidades de cerca de 450 milhões", "temos situações de imparidades de 2011 realmente baixas para o risco", "temos crédtos que só em 2012 vieram para a carteira da Parvalorem" e "acresce o facto de parte significativa destas imparidades estarem em clientes mediáticos, portanto do conhecimento público (grupo BPN/SLN e ex-acionistas, com garantias muito frágeis ou mesmo sem garantias e em clientes que sabemos em insolvência ou a quem vai ser declarada a insolvência a curto prazo)".
A Antena 1 falou com uma das pessoas que refez o relatório e contas de 2012 da Parvalorem. A fonte, que pediu para não ser identificada, descreve o sucedido: "Foi uma martelada que demos nas contas. Eu nem questionei, as ordens vinham de cima para recalcular as imparidades de forma a baixar o valor. Atuamos dentro da margem que tínhamos".
A administração da Parvalorem demorou três dias a apresentar o resultado na sequência do pedido de Maria Luís Albuquerque: "Após este trabalho cirúrgico conseguimos reduzir o valor das imparidades de 577 milhões de euros para 420 milhões de euros".
No mesmo dia, Maria Luís Albuquerque agradece: "Muito obrigada pelo trabalho efetuado. O resultado não é o que eu desejaria, mas isso não significa que seja possível fazer melhor".
A Antena 1 já fez chegar ministério das Finanças um pedido de esclarecimento, sobre este caso, mas ainda aguardar por resposta.
Já o Tribunal de Contas, contactado pela Antena 1, não faz para já qualquer comentário sobre esta investigação.
Ministério das Finanças esclarece que não há manipulação ou ocultação das contas
O ministério das Finanças, através da assessoria de imprensa e confrontado com a notícia da Antena 1, fez chegar à redação da RTP a seguinte informação:
"O registo contabilístico de imparidades é função de estimativas de perdas futuras em créditos existentes. As imparidades são avaliadas e validadas pelos auditores das empresas de acordo com os critérios definidos para o efeito e adequadamente refletidas nas contas. Refira-se que qualquer materialização ou não dessas perdas é sempre registada nas contas da Parvalorem no momento em que se verificam, com o correspondente impacto nas contas públicas, pelo que não há qualquer manipulação ou ocultação de contas", esclarece o ministério das Finanças.