Diagnóstico da hiperatividade sofreu "banalização incorreta"

por RTP

Foto: Nacho Doce - Reuters

Álvaro Carvalho, coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental, denuncia a "falta de zelo" em relação ao diagnóstico e à intervenção em crianças com psicofármacos. O responsável aponta a pressão excessiva das escolas, da família e da indústria farmacêutica como as principais causas.

A Direção-Geral da Saúde alerta esta segunda-feira, em relatório, que as crianças portuguesas até aos 14 anos consomem cinco milhões de fármacos por ano para tratar a hiperatividade e o défice de atenção.

Em declarações à RTP3, Álvaro Carvalho refere que "não consta que as crianças portuguesas estejam mais doentes que a média internacional".

O número apontado pela DGS não oferece conclusões, já que o período de análise deve ser de quatro anos, mas ainda assim "merece alarme", segundo o responsável.
Hiperatividade é "muito rara"
O coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental destaca que a hiperatividade é uma patologia "muito rara", com uma prevalência média anual, em todo o mundo, de três a quatro por cento, mas a pressão do êxito e da educação leva os pais a exigirem que as crianças "aprendam a todo o custo" matérias que do ponto de vista cognitivo ainda não conseguem alcançar.

Álvaro Carvalho refere que a capacidade de aprendizagem da criança começa apenas quando o sistema nervoso central está "suficientemente amadurecido". De notar também as situações de "tensão familiar ou dificuldade de adaptação na escola", que deixam a criança mais inquieta.

A prescrição de substâncias anti-psicóticas em casos de maior dificuldade de integração do ponto de vista comportamental é muitas vezes precipitada, segundo aponta o especialista.

"Há casos em que muito rapidamente se passa à utilização de substâncias que só deviam ser dadas em psicoses, que são doenças mentais graves. Em breve, contamos que sejam produzidas normas de orientação clínica que venham balizar as boas práticas neste âmbito", salienta.
Pressão das farmacêuticas e das famílias
O coordenador para a Saúde Mental nota ainda a "grande pressão da indústria farmacêutica", à qual interessa que as dificuldades comportamentais "sejam consideradas doença".

Para além da indústria, também a pressão das escolas e a pressão dos pais tem ajudado à "banalização incorreta" do diagnóstico de hiperatividade, que resulta no "uso indevido de estimulantes e anti-psicóticos".

A administração indevida destes medicamentos é tão ou mais preocupante por se falar de seres em desenvolvimento: "No caso das crianças, como são seres humanos em maturação, em evolução. Estarmos a administrar psicofármacos, sejam eles quais forem, o que vai perturbar esse processo de amadurecimento", adverte o especialista.
Consequências "potencialmente lesivas"
Ainda não estão comprovadas as consequências negativas da prescrição frequente de psicofármacos a crianças, mas os efeitos a longo prazo são possíveis. "Temos a presunção que, sendo substâncias que vão interferir no comportamento das crianças, são potencialmente lesivas", refere.

"Efetivamente, é contra indicado controlar quimicamente qualquer pessoa, muito menos crianças, seja com que fármaco for", diz Álvaro Carvalho.

O coordenador para o Programa de Saúde Mental diz que o diagnóstico da hiperatividade pode ser "moroso" e não se deve confiar em "catálogos de sintomas", mas que é possível intervir nestes casos de forma "não lesiva" para a criança.

Nestes casos, o recurso à psicoterapia, com profissionais competentes, é mais aconselhável e menos nocivo para a vida mental das crianças durante este "período dourado" da vida mental do ser humano.
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