O ainda secretário-geral comunista criticou atitudes de "deriva de mando", de "autoritarismo" e de "dogmatismo" no PCP, mas demarcou-se da corrente renovadora que se "colocou à margem das regras de funcionamento" do partido.
Na sua intervenção de abertura do XVI Congresso do PCP, perante cerca de 1300 delegados, Carlos Carvalhas referiu que o seu partido não poderá ter uma visão de "perfeição de auto-satisfação" e que é indispensável "envolver mais e mais camaradas e tornar mais acessível e menos extenso o projecto de teses a debater".
Para o líder cessante dos comunistas, é essencial "combater rotulações e classificações", assim como "qualquer deriva de mando, de autoritarismo ou de imposição de ideias, que por vezes ainda se manifestam".
"Também a questão do aprofundamento da nossa democracia interna e do controlo do exercício do poder, a todos os níveis, tem de estar sempre presente", advertiu o secretário-geral cessante do PCP.
Depois destes recados para o interior do partido, Carlos Carvalhas referiu-se à chamada corrente "renovadora" comunista para fazer duras críticas.
Carvalhas criticou "aqueles que se colocaram à margem das regras de funcionamento do partido, procurando através de factos consumados, ou da comunicação social, que a maioria se submeta às suas posições que não fizeram vencimento".
"É de relembrar que o nosso congresso não se confina a um mero processo eleitoral e muito menos a um processo eleitoral guiado pelos media", disse, recebendo palmas dos congressistas.
Neste contexto, o líder cessante aproveitou para se insurgir contra os "analistas encartados", expressando a sua convicção que, apesar das "derrotas do socialismo a Leste", "há lugar para os partidos comunistas".
Na parte final do seu longo discurso, Carlos Carvalhas voltou a pronunciar-se sobre a vida interna partidária, dizendo que entre os comunistas "persistem muitas insuficiências e debilidades".
"É necessário libertar novas energias, aproveitar sangue novo e novas capacidades. Não trabalhamos para a estatística e é necessário continuar a lutar contra a rotina, contra soluções, atitudes e métodos que não correspondem às exigências actuais", frisou.
Após estas advertências, o secretário-geral cessante dos comunistas pronunciou-se de forma crítica sobre concepções ideológicas e metodológicas existentes entre alguns comunistas, designadamente ao nível do conceito de marxismo-leninismo.
"O Partido não sacraliza e transforma em questões de princípio aquilo que não o é, para depois utilizar a argumentação das cedências para manter tudo como está", disse, sublinhando que o PCP, "no campo da organização, como no da teoria, não pode ter uma visão unilateral, esquemática ou simplista do marxismo-leninismo".
"A dogmatização conduz à estagnação teórica e esta a graves erros e ao esvaziamento da própria teoria", disse, antes de deixar um novo alerta:
"Maus advogados da nossa teoria são aqueles que transformam os princípios teóricos em verdades eternas, isto é, que transformam o princípio teórico em dogma, o dogma em lei objectiva e esperam que a suposta lei, porque é objectiva, transforme a realidade segundo o princípio arvorado em dogma", observou.
Num discurso que durou cerca de 80 minutos, Carvalhas manifestou- se contra o tratado constitucional da União Europeia e fez duras acusações ao Governo, pedindo ao primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, para fazer "um favor natalício aos portugueses".
"Demita-se, vá para férias e deixe os portugueses aliviados", declarou, antes de voltar a lamentar que o Presidente da República, Jorge Sampaio, tenha optado por nomear o XVI Governo Constitucional.
"Contrariando-se um profundo sentimento que se expressava na sociedade portuguesa, em nome de uma pseudo-estabilidade, decidiu-se indigitar Santana Lopes para o cargo de primeiro-ministro e empossa um Governo de involução na continuidade", referiu, ouvindo-se depois um coro de assobios dirigido ao Presidente da República.
Sobre a estratégia política para os próximos anos, o secretário- geral do PCP não fez qualquer referência a eventuais coligações com o PS, quer nas eleições autárquicas, quer nas legislativas.
Nas suas 24 páginas de discurso, Carvalhas nem por uma única vez se referiu ao Bloco de Esquerda e acusou o PS de pretender "hegemonizar-se" na esquerda portuguesa e não estar disponível para rever "os erros que cometeu no passado".
No que respeita à actuação dos comunistas na Assembleia da República, o secretário-geral cessante deu particular destaque à questão do aborto e ao seu projecto para suspender os julgamentos em casos de interrupção voluntária da gravidez.
No entanto, na perspectiva de Carvalhas, o mais certo é que esse projecto não seja aprovado, "pois, mais uma vez, o PSD voltou a declarar-se prisioneiro do reaccionarismo extremo do CDS-PP".
PMF.