Um privado comprou por 190 mil euros o edifício que dá acesso à emblemática Torre da Alfândega, em Guimarães, onde está a inscrição "Aqui nasceu Portugal". A câmara tinha o direito de compra mas não o exerceu. E agora que o negócio, feito há dois anos, foi revelado pela CDU e caiu nos jornais, a autarquia tem de improvisar para resolver o embaraço. Portugal no seu melhor.
Ao que parece, nem foi por razões de poupança que a câmara de Guimarães deixou de exercer a opção de compra do edifício, vendido por uma ninharia, no verão de 2014, a um empresário de Famalicão pela família do artista plástico José de Guimarães. Terá sido por não saber que no prédio se encontrava a entrada de acesso público à Torre da Alfândega, "por falha na inscrição no registo predial", segundo disse ao Expresso uma fonte camarária.
Por caricato que possa parecer tal desconhecimento, não se afigura outra razão, dado que ainda agora foram aprovadas pela câmara obras no valor de 14,2 milhões de euros para o Teatro Jordão, que deverá receber a Escola de Artes da Universidade do Minho. Em comparação, a aquisição do edifício em causa pôde fazer-se por uns "míseros" 190 mil euros. E a família de José de Guimarães até teve de baixar o preço para conseguir vender.
A câmara não comprou e o resultado foi que "comprou" um problema. A oposição, CDU e coligação "Juntos por Guimarães" (PSD, CDS e MPT), caiu em peso em cima do presidente da autarquia do PS, Domingos Bragança, com alguns a exigirem a reversão do negócio. A resposta surgiu à boa maneira portuguesa, com o município a apressar-se a pôr trancas à porta da casa roubada: avisou que só licencia obras no edifício com a garantia de acesso público à torre e que expropria caso haja resistência.
Prenúncio de problemas com os tribunais? A oposição, claro, diz que sim, que eles são possíveis, mas não sabemos. O que se sabe é que, agora que foi revelado um negócio feito há já quase dois anos, não faltam ideias para a reabilitação e a valorização pública da muralha, classificada como Monumento Nacional desde 1910.
O conhecimento da venda a um privado e o respetivo impacto nos jornais desataram a imaginação dos políticos locais. A câmara fala agora num projeto para toda a muralha, que irá submeter a financiamento comunitário, e a coligação pede um centro interpretativo e um "welcome center" na Torre da Alfândega.
A escassez de recursos obriga à arte do improviso e em Guimarães sabe-se bem disso. Quando a cidade foi Capital Europeia da Cultura (CEC), em 2012, a crise já apertava e os seus efeitos fizeram-se sentir no projeto da capital cultural. Começou-se logo pela ideia peregrina de aplicar IVA às operações da CEC, o que não aconteceu em Lisboa 94 e no Porto 2001. O resultado foi um corte automático de quase um quarto do financiamento numa altura em que a programação já estava feita e orçamentada, com os consequentes atrasos nos pagamentos a fornecedores.
As infraestruturas também se ressentiram. A CEC deixou em Guimarães um legado que funciona, como o Laboratório da Paisagem ou o Instituto de Design, que ocupa a antiga Fábrica de Curtumes da Ramada e alberga o curso de design da Universidade do Minho. Porém, outros projetos avançaram a passo de caracol, os casos da reabilitação do Teatro Jordão ou da abertura da Casa da Memória, o novo museu dedicado à história do concelho, instalado na antiga Fábrica de Plásticos Pátria e que só deverá ser inaugurado agora em abril, quatro anos depois da capital cultural.
A própria Plataforma das Artes e Criatividade, projeto emblemático de Guimarães 2012, tem tido dificuldades em evoluir de acordo com o que foi idealizado. Tem o Centro Internacional das Artes José de Guimarães a funcionar de modo satisfatório, com um programa regular de exposições e um trabalho sobre a coleção permanente - a coleção José deGuimarães -, mas nunca pôde dar corpo à ideia inicial de operar como verdadeira incubadora de talentos e de indústrias criativas.
Em plena crise, e com o argumento de que já tinha sido feito um investimento substancial na cidade até 2012, Guimarães foi ficando, nestes anos, fora do radar dos investimentos públicos em Cultura. Recentemente, Domingos Bragança lembrou isso mesmo a João Soares, dizendo-lhe que os vimaranenses não entendem porque razão Guimarães não tem tido o apoio excecional de que beneficiam outras cidades ex-CEC, como Lisboa e o Porto, e em concreto porque não é dada à Plataforma das Artes e Criatividade o mesmo tipo de tratamento que à Casa da Música, por exemplo.
O ministro respondeu que o autarca tem toda a razão, que Guimarães 2012 foi um exemplo e que não fossem os fogos que foi preciso apagar em vergonhas como o BPN e o BANIF e haveria dinheiro para isso e muito mais. João Soares também prometeu, doravante, discriminação positiva para Guimarães, na medida das possibilidades financeiras do país. Oxalá, porque a cidade merece. Resta saber se os bancos deixam. É que, depois de terem andado a salvar a banca - e não se sabe o que mais por aí virá -, os contribuintes ainda terão talvez de participar nalguma "vaquinha" para salvar o país da "espanholização" da banca.
Ver-se-á que soluções de recapitalização para os bancos encontrarão o Governo, o PR e o Banco de Portugal, todos agora de braço dado contra a "espanholização" do sistema financeiro. E se depois sobra algum para Guimarães ou se tem de continuar o improviso.
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