Em direto
Guerra na Ucrânia. A evolução do conflito ao minuto

Supremo Tribunal do Paquistão suspende sentença de morte de Asia Bibi

por Graça Andrade Ramos, RTP

A decisão é temporária e deverá durar enquanto os juízes examinam o apelo de Asia Bibi, uma mulher cristã condenada à morte em 2010, por blasfémia contra Maomé. Os seus advogados haviam pedido em novembro de 2014 a intervenção do Supremo Tribunal paquistanês, depois de o Supremo Tribunal de Lahore ter confirmado a sentença capital.

O Supremo Tribunal do Paquistão deverá começar a ouvir em breve o apelo contra a sentença, afirmou o advogado de Asia Bibi, Saif ul-Malook.

"A execução de Asia Bibi foi suspensa e continuará suspensa até a decisão deste apelo", disse Malook. Não foi dada nenhuma data para o início das audições sobre o caso.

O juiz Saqib Nisar, que lidera o grupo de três magistrados encarregados de examinar o caso, confirmou ter recebido o pedido dos advogados de Asia Bibi e acrescentou que irá examinar também o pedido do procurador, que argumenta que o apelo da defesa foi interposto tardiamente e por isso pede a sua nulidade.
Símbolo contra a lei da blasfémia
Asia Bibi, camponesa do Punjab e mãe de cinco filhos, foi condenada à morte em 2010, depois de ter sido acusada em 2009 por duas vizinhas muçulmanas, irmãs, de ter insultado o profeta Maomé. Sempre rejeitou, veementemente, as acusações. Os seus advogados dizem que na origem da queixa está uma discussão anterior que nada teve de blasfema.

Asia Bibi em 2009

Alegadamente as duas muçulmanas que acusaram Bibi terão discutido com ela por esta ter bebido água do seu cântaro enquanto trabalhavam juntas no campo. Afirmaram então que Asia tinha tornado o líquido impuro para elas beberem. Dias depois acusaram-na de blasfémia junto do imã local. Asia Bibi foi presa e está detida desde então.

O seu caso tem levado à intervenção de várias autoridades internacionais, incluindo o Papa Francisco, que afirmou em abril rezar pela sua libertação. A presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, deu igualmente o seu apoio à paquistanesa pedindo a sua libertação e em março tornou-a cidadã honorária da capital francesa.

Asia Bibi tornou-se um símbolo nacional e internacional da luta contra a lei da blasfémia, que visa habitualmente as minorias religiosas paquistanesas, tais como os cristãos que compõem 1,6 por cento da população.

O Papa Francisco recebeu no Vaticano a família de Asia Bibi e prometeu rezar por ela Foto: Wikicommons

Desde 1987, 633 das 1,335 pessoas acusadas ao abrigo da lei da blasfémia eram muçulmanas. Quase 500 eram ahmedis, seguindo-se 187 cristãos. Os restantes eram hindus.
Linchados pela multidão
Ativistas dos Direitos Humanos afirmam que as acusações de blasfémia estão a subir em flecha. E dizem que a lei está a ser usada muitas vezes para resolver disputas e para muçulmanos se apropriarem de bens e de propriedades de vizinhos.

A lei, que não define nenhumas regras claras sobre o que pode constituir blasfémia, prevê apenas a sentença capital como castigo para insultos ao profeta Maomé e a prisão perpétua a quem profanar o Corão.

Até agora ninguém foi executado pelo Estado mas muitos acusados têm sido mortos por multidões em fúria, sem que as acusações sejam consubstanciadas.

Este mês, a polícia salvou in extremis um casal cristão iletrado de ser linchado, após este ter dormido sobre um cartão de publicidade de uma Universidade no qual estavam escritas frases do Corão. Um barbeiro e dois clérigos acusaram-nos de blasfémia e, rodeando o casal aterrorizado e ignorante de qualquer ofensa, levaram uma multidão a espancá-lo. Um dos clérigos foi detido, mas acabou por ser libertado sem condenação.

Em 2014 um casal de cristãos foi igualmente linchado e queimado em Kot Radha Kishan, acusado de profanar o Corão. Mais de 100 pessoas foram acusadas da sua morte.

Protestos contra a lei da blasfémia no Paquistão em 2010. Foto: Reuters
Medo de perder a vida
Também aqueles que atacam ou pretendem alterar a lei da blasfémia correm risco de vida. O governador da província do Punjab, Salman Taseer, foi abatido a tiro por um guarda-costas em 2011 depois de ter pedido um perdão presidencial para Asia Bibi. O juiz que depois condenou o assassino de Taseer foi forçado a fugir do Paquistão.

Em finais de 2011 o próprio ministro para as minorias, o único cristão a integrar um Governo paquistanês, foi assassinado à porta de casa, por ter ousado falar contra a lei da blasfémia e defender Asia Bibi. O ataque foi depois reivindicado por radicais islamitas.

Os advogados de Malook afirmam que nenhuma testemunha do que sucedeu em 2009 compareceu perante o Supremo Tribunal. "As verdadeiras testemunhas oculares nunca apareceram perante o juiz e recuaram", afirmou.

Receio de cometer novas blasfémias afasta muitas vezes potenciais testemunhas levando a que as provas não possam muitas vezes ser apresentadas em tribunal. Juízes e advogados recusam igualmente defender acusados ou julgar os casos, por medo de se tornarem eles mesmos alvo da violência, sendo frequentemente ameaçados.

Um conhecido advogado de Direitos Humanos, que defendia um professor acusado de blasfémia devido a um comentário na rede social Facebook, foi assassinado no ano passado.
PUB