Desistamos de tentar compreender Donald Trump à luz dos cânones tradicionais de análise política. O novo presidente dos Estados Unidos é absolutamente imprevisível e não parece controlável pelo sistema político ou pelo contexto internacional. Pelo menos por agora.
Deveremos estar surpreendidos? Sim e não. O discurso de Donald Trump, sobretudo como candidato presidencial, sempre foi pautado pela utilização de frases simples, chocantes e desprovidas de conteúdo. No entanto, nada disto é novidade na política. Cada vez mais, as campanhas são feitas com recurso a mensagens curtas e passiveis de ser contraditas sem grandes danos com a chegada ao poder. Em Portugal, quem não se lembra de cartazes a prometer postos de trabalho aos milhares e descidas (ou não aumento) de impostos? Fruto das circunstâncias ou do carácter institucional do exercício do poder, a passagem do estado de candidato ao estado de eleito tende a atenuar o discurso exaltado e a levar a uma prática que cumpra com os mínimos exigíveis de urbanidade.
Com Trump tudo é diferente. À medida que os dias passam, torna-se mais evidente que, por agora, Trump não está disposto a ouvir quem quer que seja que contrarie a sua “retórica de mesa de café”. Trump sabe que quem o elegeu quer ouvir este discurso e também sabe que não há, nos próximos tempos, salvo alguma catástrofe, pontes possíveis com uma maioria do eleitorado e uma minoria dos eleitos que o despreza. Tendo em conta este contexto, o próprio Partido Republicano terá uma margem muito limitada para o influenciar: os principais assessores presidenciais pertencem ao núcleo familiar ou são outsiders e as escolhas para a administração não abrangeram quadros republicanos experientes e pragmáticos. A forma como os serviços de informações foram desprezados pelo então “presidente eleito”, ao arrepio da prática republicana, e as demissões a que estamos a assistir no Departamento de Estado demonstram-no de forma clara.
Estes sete dias de política externa são, porém, o mais surpreendente da nova presidência. A forma como o México foi tratado, mais do que perversidade ou arrogância, revela um homem ignorante e sem qualquer noção das mais básicas regras que regem as relações entre Estados. O sistema internacional assenta num conjunto de práticas e de formas que não se coadunam, no século XXI, com ameaças e com humilhações públicas de congéneres, sobretudo quando falamos de países democráticos. O princípio da soberania norteia práticas de respeito para com os representantes de outros Estados. Não é por acaso que a diplomacia tem um protocolo rígido, no qual, por vezes, a forma se sobrepõe ao conteúdo. A insensibilidade em relação às relações históricas entre o México e os Estados Unidos faz-nos temer o pior. Basta recordar que Trump ainda não começou a mexer nas “pastas” relativas à China, União Europeia, Síria ou Japão. Será esse o grande teste ao sistema político norte-americano. Conseguirão as outras instituições conter derivas irracionais? Aguardemos.