O partido do poder na Turquia, o AKP, ordenou esta sexta-feira uma purga interna de membros com ligações ao clérigo Fetullah Gülen, ex-apoiante do Presidente Recep Tayyip Erdogan e acusado de estar na origem de um golpe militar há quatro semanas.
Nas últimas duas semanas as prisões turcas encheram-se ainda mais com 12.000 alegados inimigos da Turquia e apoiantes do golpe de Estado ou de Gülen, incluindo militares, professores, juízes, advogados e jornalistas.
No total, 60.000 pessoas foram já afastadas dos seus cargos públicos, detidas, suspensas ou colocadas sob investigação, por alegadas ligações a Fetullah Gülen. Esta sexta-feira foi a vez de 167 membros do Conselho de Investigação Científica e Teconológica da Turquia, de acordo com a televisão estatel citando o ministro da Indústria, Faruk Ozlu.
Quinta-feira, um tribunal de Istambul emitiu um mandado de captura dirigido a Fethullah Gülen, acusando o ex-imã, exilado nos Estados Unidos desde 1999, de "ter ordenado a tentativa de golpe de Estado de 15 de julho", que provocou 272 mortos.
A decisão abre caminho a um pedido formal de extradição do "principal inimigo" do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.
Gülen denuncia 'Justiça turca'
Washington tem pedido a Ancara provas das culpas de Gülen e o Governo turco sustenta que já por duas vezes enviou dossiers sobre o papel do clérigo no golpe de Estado. Gülen afirma-se inocente.
Esta sexta-feira, denunciou a falta de independência da Justiça turca.
"Está bastante documentado que o sistema judiciário turco não é independente, pelo que o mandado de prisão é mais um exemplo da tendência do Presidente Erdogan para o autoritarismo e para se afastar da democracia", afirmou Gülen, em comunicado.
Vários grupos de defesa de Direitos Humanos afirmam-se preocupados com a situação dos detidos.
Prisões sobrelotadas
As prisões turcas gozam de má fama e já estavam no limite de ocupação. Desde 2002, quando o AKP chegou ao poder, a população prisional turca triplicou. Em março de 2016 incluia 188.000 detidos, mais 8.000 do que a lotação máxima permitida. Um jornal pró governo, o Yeni Safak, afirmou que os acusados do golpe foram colocados em tendas nos pátios das prisões, levando um responsável do ministério da Justiça a dar uma entrevista desmentindo a denúncia. Os detidos, afimou, estão todos alojados em edifícios".
O Governo turco garante que não existe nenhum problema prisional na Turquia.
"Não há falta de prisões. Não acreditamos que vá haver um problema com isto - as purgas - porque estamos a fazer investimentos contínuos no nosso sistema prisional", afirmou um responsável à Agência Reuters.
Os grupos de defesa dos Direiros Humanos têm outra visão e falam em "tortura".
"De forma a ganhar espaço, eles estão a empilhar pessoas em cima umas das outras", denuncia Mustafa Eren, presidente do grupo de defesa de Direitos, a Fundação da Sociedade Civil do Sistema Penal.
Na prisão de Tekirdag, no nordeste da Turquia, as autoridades estavam a juntar seis pessoas em celas para três. Na prisão Silivi, a ocidente de Istambul os prisioneiros são obrigados a dormir por turnos, devido à sobrelotação afirmou Eren.
Tortura
Veli Agbaba, vice-presidente do maior partido da oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP), tem feito centenas de visitas a prisões turcas ainda antes da purga e afirma ter visto detidos a dormir nos corredores e nas casas de banho.
"Resolveram o problema enviando mais camas e agora há tantas nas celas que não há praticamente espaço para circular", afirma Agbaba. "O problema não se resolve enviando mais camas", critica.
Para os grupos humanitários a sobrelotação é uma forma de tortura. Apresentam ainda fotografias e vídeos de soldados detidos, com ligaduras na cabeça e nódoas negras desde a detenção.
"As imagens mostram claramente que estes soldados foram espancados sob custódia. Isto é tortura. Nem sequer é preciso ir e investigar", afirmou Ozturk Turkdogan, líder da Associação Turca dos Direitos Humanos. "É uma mentalidade tão vingativa e devia ser abandonada", critica.
Mais tribunais
O ministro da Justiça da Turquia, Bekir Bozdag, foi esta semana à televisão garantir que não há tortura nas prisões.
Os grupos de defesa dos Direitos Humanos reuniram-se entretando com o vice-primeiro-ministro Numan Kurtulmus para lhe dar parte das suas preocupações.
O elevado número de detidos nas purgas das últimas quatro semanas poderá obrigar à construção de um novo tribunal, já que os existentes não têm capacidade para acolher todos os acusados.
As purgas levaram já a União Europeia a chamar a atenção ao Presidente Erdogan sobre violações dos Direitos Humanos.
Erdogan respondeu com a ameaça de romper o acordo com a Europa sobre os refugiados, através do qual recebe milhões de euros para impedir milhares de pessoas de atravessarem o Mar Egeu a caminho da Grécia.
com Lusa