A Organização da Conferência Islâmica concluiu na última madrugada os trabalhos de uma cimeira em Meca, na Arábia Saudita, com a decisão de suspender a Síria da sua estrutura. Apenas um de 57 países-membros, o Irão, levantou reservas a mais uma sanção acompanhada da denúncia de “massacres e atos desumanos sofridos pelo povo sírio”. Horas antes, uma comissão de inquérito da ONU acusara de crimes de guerra o poder político de Damasco e as suas forças militares. Uma acusação que abrange os combatentes oposicionistas, ainda que em menor proporção.
Enquanto a OCI apertava o cerco internacional a Bashar al-Assad, o regime prosseguia a contraofensiva diplomática. Em Pequim, Bouthaina Shaaban, emissária especial do Presidente sírio, aplaudiu o posicionamento pró-regime que chineses e russos têm mantido no seio do Conselho de Segurança.
“Ficamos felizes por ver que países como a Rússia e a China não são colonos, ou que não tratam as pessoas como colonos. É uma posição muito diferente do ocidente”, afirmou a conselheira presidencial síria numa entrevista ao jornal China Daily.
Shaaban disse que a sua deslocação a Pequim teve por finalidade “fornecer a imagem real do que se passa na Síria”.
O ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Yang Jiechi, exortou entretanto o regime de Damasco a encetar conversações com a oposição e a dar passos que respondam às aspirações do povo sírio.
Com a exceção da delegação iraniana - a única que se opôs abertamente à suspensão -, os países-membros sublinharam a “necessidade de pôr fim imediatamente aos atos de violência na Síria e de suspender o país da OCI”. É o que se afirma na declaração final da cimeira da Arábia Saudita. Mas a Organização foi mais longe nas palavras. Em conferência de imprensa, o secretário-geral Ekmeleddin Ihsanoglu resumiu o que disse ser uma “mensagem forte enviada ao regime sírio pelo mundo muçulmano”.
“Esse mundo não pode mais aceitar um regime que massacra o seu povo utilizando aviões, tanques e artilharia pesada. É também uma mensagem destinada à comunidade internacional, dizendo que o mundo muçulmano apoia uma solução pacífica, quer o fim do derramamento de sangue e recusa que este problema degenere em conflito confessional e transborde”, declarou o secretário-geral da Organização da Conferência Islâmica, colocando a tónica no receio de que o conflito sírio venha a extravasar as fronteiras do país.
Numa segunda declaração os membros da OCI exprimem o seu apoio a “povos muçulmanos oprimidos como o povo da Síria”. Povos, insiste o texto, que “enfrentaram os aviões de combate e os canhões de exércitos regulares, como é o caso do povo sírio”. Enfatizando a cooperação entre Estados muçulmanos, esta declaração, que recebeu o título de “Pacto de Meca”, assume ainda a defesa de um “Islão moderado” e da “luta contra o terrorismo e o pensamento” que o suporta.
Crimes de guerra
O gesto da Organização da Conferência Islâmica foi antecedido da publicação, em Genebra, do relatório de uma comissão de inquérito com mandato do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas para escrutinar o comportamento dos beligerantes sírios. As forças governamentais e as milícias Shabiha, leais ao regime, são acusadas de crimes de guerra e contra a humanidade. A oposição armada é também alvo das denúncias da comissão.
No relatório, o regime e as suas tropas são diretamente acusados de “mortes ilegais, ataques indiscriminados contra civis e atos de violência sexual”. É também denunciada a prática de tortura. Em suma, “violações flagrantes dos Direitos Humanos e das leis humanitárias” alegadamente perpetradas “no quadro da política do Estado”, implicando “os mais altos níveis das Forças Armadas, de segurança e do Governo”.Nas últimas horas um novo bombardeamento aéreo das forças leais ao regime, nas proximidades da cidade setentrional de Aleppo, terá feito pelo menos 31 mortos e mais de duas centenas de feridos.
Citado pela France Presse, o dirigente do Observatório Sírio dos Direitos Humanos Rami Abdel Rahman descreveu o cenário na localidade de Azaz como “horrível”, dando conta de “muitas pessoas debaixo de escombros”.
Os grupos de combatentes oposicionistas são acusados, por sua vez, de “crimes de guerra, incluindo assassínios, execuções extrajudiciais e tortura”. No entanto, é sublinhado que estas “violações e abusos não tiveram a mesma gravidade, frequência e escala daquelas que foram cometidas pelas forças governamentais e pelas Shabiha”.
O relatório de 102 páginas vai ser analisado a 17 de setembro pelo Conselho dos Direitos Humanos. Será também dentro de um mês que a comissão de inquérito vai fazer chegar àquele órgão da ONU “uma lista confidencial de indivíduos e unidades considerados responsáveis de crimes contra a humanidade, violação de leis humanitárias e violações flagrantes dos Direitos Humanos”. Trata-se, em teoria, de um primeiro passo para eventuais processos no Tribunal Penal Internacional.
Os relatores das Nações Unidas dão conta de uma “deterioração significativa da situação” a partir de meados de fevereiro de 2012, com o alargamento da violência a novas parcelas de território e o recurso a “táticas mais brutais e a novas capacidades militares”, quer por parte do Exército, quer pelas forças rebeldes. Denunciam, por outro lado, os entraves levantados pelo regime ao trabalho da comissão em território sírio.
Desde setembro de 2011 a comissão de inquérito liderada pelo diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro conduziu, na região e a partir de Genebra, mais de mil entrevistas a protagonistas e vítimas do conflito.
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