No seu discurso perante a AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), Donald Trump atacou Abbas, Obama, Clinton, o Irão, a ONU. Os dirigentes da AIPAC receavam que o candidato da extrema-direita fosse apupado. E no final ficaram embaraçados por ele ser demasiado aplaudido.
Para além desse factor de antipatia entre o orador e o seu público, havia antecedentes como o apoio declarado a Trump por parte de uma proeminente figura do Ku-Klux-Klan, David Duke, com todo o lastro anti-semita que sempre distinguiu essa associação criminosa. Uma organização judaica declaradamente de direita, como a ADL (Anti-Defamation League), lançara entretanto uma advertência contra o racismo de Trump. E admitia-se que essa advertência pudesse predispor contra ele a audiência de quase duas dezenas de milhares de pessoas na conferência da AIPAC.
E no entanto, o discurso de Trump (ver o vídeo, abaixo), foi um grande sucesso.
Trump foi fortemente aplaudido logo no início do discurso, ao declarar-se "um novato na política, mas não no apoio ao Estado judeu". E sublinhou que falava "como um apoiante de toda a vida e verdadeiro amigo de Israel". O candidato manifestou o seu repúdio pelo que classifica como "terrorismo palestiniano" e prometeu mudar a Embaixada norte-americana para Jerusalém, que designou como "a capital eterna do povo judeu".
A identificação de Israel como um "Estado judeu" era uma opção semântica significativa, porque Israel, mesmo mantendo uma ocupação condenada pela comunidade internacional, se encontra precisamente na encruzilhada entre continuar a definir-se como um Estado binacional, com cidadãos judeus israelitas e cidadãos palestinianos israelitas, ou então passar a definir-se como um Estado judeu - o que implicaria a negação da cidadania aos chamados árabes israelitas ou, no melhor dos casos, que lhes fosse atribuída uma cidadania de segunda classe.
"Desmantelar" o acordo com o Irão
Em termos práticos, Trump prometeu que, ao chegar à Presidência, imediatamente trataria de "desmantelar a rede global de terror do Irão" e denunciou o acordo com o Irão como "desastroso". A política a adoptar na Casa Branca perante esse acordo será também a de "desmantelá-lo", embora noutro passo do discurso Trump tenha passado a dizer que iria obrigar o Irão a cumprir o acordo.
O candidato à investidura republicana atacou duramente a Administração Obama por chegado a um entendimento com o Irão, afirmando que ele foi uma forma de presentear esse país com milhares de milhões de dólares, devido ao levantamento das sanções. Em troca, o Irão promete abster-se de construir armamento nuclear, mas - ainda segundo Trump - a médio prazo não irá cumprir a promessa e irá ficar com os milhares de milhões de dólares.
Trump referiu o Irão como uma fonte de problemas em todo o Médio Oriente, com o que descreveu como os seus protectorados (Lìbano, Hezbollah), como os seus planos para lançar ataques contra Israel a partir da Síria e em especial dos Montes Golan, e com a ameaça que constitui para países como o Iémen e em especial a Arábia Saudita.
A ONU debaixo de fogo
Outro alvo do discurso foi a ONU, atacada por querer impor uma negociação. Segundo Trump, qualquer negociação so será possível entre as duas partes directamente interessadas (Israel e Autoridade Palestiniana). Aparentemente respondendo ao argumento recorrente de que as negociações absolutamente assimétricas redundam sempre na imposição das condições da parte mais forte (Israel) à parte mais fraca (Palestina), Trump afirmou que ao longo de todos estes anos é Israel que sempre tem desejado negociações sem pré-condições.
Neste sentido, Trump prometeu acabar com o tratamento de Israel "como cidadão de segunda", nos areópagos da comunidade internacional: "Quando eu for eleito presidente acabarão os dias de tratar Israel como cidadão de segunda classe - no primeiro dia".
Trump, o polarizador
Especialmente embaraçosos para a direcção da AIPAC, foram os ataques de Trump ao presidente em exercício, Barack Obama. Com efeito, como é da lógica de um lobby organizado, a AIPAC cultiva uma imagem ecuménica e equidistante entre os dois principais partidos e não lhe convinha que ataques demasiado veementes ao presidente democrata colhessem um aplauso demasiado entusiástico. Mas foi precisamente isso que sucedeu.
Segundo o jornal The Times of Israel, "perturbadores para o lobby pró-Israel, cujas credenciais bipartidárias são decisivas para a sua credibilidade e eficácia, ele [Trump] também teve partes substanciais da audência a aplaudir quando descreveu o presidente Barack Obama, discutivelmente, como 'a pior coisa que aconteceu a Israel'".
O mesmo jornalista daquele periódico israelita afirma que, em privado, vários dirigentes da AIPAC lhe tinham descrito Trump como um "Mussolini acidental", um demagogo que desencadeia as forças mais sombrias dos EUA, e que agora poderão estar preocupados com a popularidade que ele mostrou ter entre o público americano pró-israelita.