A história do povo angolano não permitiu a este, até agora, o exercício pleno dos seus direitos humanos, nomeadamente cívicos, políticos e sócio-económicos, declarou hoje em Luanda o chefe do Escritório dos Direitos Humanos da ONU em Angola, Vegard Bye.
"O povo de Angola vem sofrendo há muitos anos. A sua história até agora não tem permitido exercer plenamente os seus direitos humanos, quer cívicos, políticos ou sócio-económicos", salientou Vegard Bye.
O funcionário das Nações Unidas discursava na abertura da conferência sobre os direitos humanos em Angola, numa iniciativa da ONU e da Assembleia Nacional angolana.
Segundo Bye "nem sequer, muitas vezes, o direito mais fundamental que é a vida é observado no país, que actualmente se encontra num caminho histórico rumo a uma democracia e Estado de direito, a percorrer uma distância mais dura entre os princípios e o cumprimento dos mesmos".
"O modelo político que Angola escolheu com a independência em 1975 foi o estado de partido único, onde todo o poder se encontrava concentrado em poucas mãos", lembrou.
"Devido às muitas insuficiências deste poder - prosseguiu - a Lei Constitucional de 1992 introduziu o modelo do Estado Democrático e de Direito como garantia da separação de poderes porque a experiência humana e a história mostraram que a forte concentração de poder tende a trazer fortes abusos de poder".
Na opinião de Bye, "ao detentor do poder nem sempre é fácil reconhecer os limites do seu poder, reconhecer que os cidadãos têm direitos", designadamente "o de questionar em qualquer momento as autoridades, instituições e os representantes do poder em geral, quando se sentem privados de muitos entre vários dos seus direitos".
"Num Estado de direito, esse princípio deve conhecido e reconhecido tanto pelas pessoas que exercem cargos de poder - e têm o dever de garantir os direitos - quanto pelos cidadãos que são os portadores desses direitos",insistiu.
Lembrou, neste passo, que, para garantirem o cumprimento desses princípios e dar aos cidadãos a possibilidade de reclamação e de recurso ao nível dos órgãos do Estado, metade dos países africanos e quase todos que integram a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) criaram uma instituição nacional dos direitos humanos, que pode atender queixas em caso de violação desses direitos e recomendar políticas susceptíveis de evitar que tais violações aconteçam.
"Trata-se de uma instituição cujo papel consiste fundamentalmente em proteger o cidadão. Em Angola a Constituição em vigor já prevê tal instituição - o Provedor de Justiça que neste momento é exercido provisoriamente pelo Procurador-Geral da República", disse.
O ante-projecto da nova Constituição em elaboração prevê paralelamente uma Comissão Nacional dos Direitos Humanos, com vista ao estabelecimento de instituições que dêem ao cidadão a possibilidade de se defender perante decisões ou medidas por parte do Estado.
Nesse sentido, Bye manifestou a disponibilidade da sua organização para cooperar com a Assembleia Nacional, considerando que a instituição nacional dos direitos humanos é um instrumento que deve ser orientado fundamentalmente pelo poder legislativo e pela sociedade civil para de forma independente supervisionar as acções e omissões do poder executivo e outros poderes da sociedade.
"Desta forma deve contribuir também para reforçar o poder legislativo em relação ao executivo no sentido de se aprofundar a divisão democrática do poderes no país", advogou.
O Escritório dos Direitos Humanos da ONU em Angola presta também assessoria ao Parlamento angolano nesta matéria, através do consultor internacional, Gazana Ndova, antigo presidente da Comissão dos Direitos Humanos no Ruanda.
Está em curso a elaboração de um plano nacional de acção dos direitos humanos em coordenação com o ministério da Justiça, cujo comité de coordenação inclui representantes da sociedade civil.
Segundo fontes da ONU, o estabelecimento de uma instituição dos direitos humanos em Angola deverá ocorrer durante o próximo ano e antes das eleições gerais previstas para 2006.
A conferência sobre os direitos humanos em Angola em que participam deputados, membros do corpo diplomático e das associações dos direitos humanos decorrerá até quinta-feira, devendo debater nomeadamente a importância das instituições de direitos humanos e a sua dinâmica no presente e futuro quadro constitucional angolano.