Fidel Castro, que morreu na sexta-feira, dirigiu os destinos de Cuba durante quase meio século mas apenas esteve em Portugal duas vezes, uma de passagem, quando elogiou o clima e outra mais longa, que terminou com a frase "gosto muito dos portugueses".
Fidel voltaria a Portugal menos de três anos depois, breves horas entre viagens com oportunidade para se encontrar com o então primeiro-ministro António Guterres e Jorge Sampaio, Presidente da República na altura, com quem jantou.
"Aborreci um pouco"
Chegou ao fim do dia e partiu de madrugada, quase discreto não fosse Fidel Castro. Ainda assim nada como quando da cimeira do Porto e dos longos discursos, um no evento e outro num espetáculo de solidariedade para com Cuba, quando chegou perto da meia-noite e discursou duas horas e meia.
"Eu sei que aborreci um pouco as pessoas e os chefes de governo estão um pouco aborrecidos comigo", confessou aos jornalistas na hora da partida, quando lhes disse também desejar voltar a Portugal. "Logo que puder" farei cá "uma escala", disse.
Aconteceu a 17 de maio de 2001, no regresso a Cuba de uma visita de 10 dias à Argélia, Irão, Malásia, Qatar e Síria (com uma escala surpresa na Líbia para visitar o então dirigente líbio e amigo Muammar Kadhafi). Chegou a Lisboa às 18:30, descansou um pouco num hotel, reuniu-se com o primeiro-ministro e depois jantou com o Presidente da República. Como habitualmente despertou curiosidade e palavras de ordem contra o bloqueio dos Estados Unidos à ilha.
O embargo imposto pelos Estados Unidos começou em 1962 tinha acabado de ser reforçado pelo então Presidente norte-americano George W. Bush. Fidel comentou esse reforço em Lisboa, apelidando-o de "excelente", por demonstrar, justificou, que a administração Bush usava "pouco a cabeça", cometendo "mais erros".
"É um país amável"
Bom conversador, tranquilo e simpático, justificou ainda aos jornalistas a escala em Lisboa e não em Madrid: "Gosto de Portugal. É um país amável, que está no extremo da Europa" e, por isso, "não tão longe como Espanha". Partiu à 01:40 para Havana.
Esse "gosto" ter-lhe-á ficado de outubro de 1998. Às 11:00 de dia 16 aterrava no Porto, precisamente uma semana depois de ter sido anunciado o prémio Nobel da Literatura para José Saramago. Ainda no aeroporto Fidel falou do amigo que esperava encontrar.
E encontrou, mas antes disse que os três símbolos da revolução francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, não chegaram ao fim do século XX, que a globalização tem "perigos muito grandes" (o tema de cimeira era "os desafios da globalização"), ou que "a ordem mundial dos Estados Unidos está condenada a entrar em crise". À hora de almoço de dia 19 partiu para Espanha.
Deixara um memorável discurso na noite anterior em Matosinhos (numa festa promovida pela Associação de Amizade Portugal-Cuba), e encontros com o antigo primeiro-ministro Vasco Gonçalves (morreu em 2005) ou com Carlos Carvalhas (na altura secretário-geral do PCP), além de José Saramago (morreu em 2010).
Pós-25 de Abril
Foi em 1975, quando Vasco Gonçalves era primeiro-ministro, que Lisboa e Havana mais próximas estiveram. Otelo Saraiva de Carvalho, um dos operacionais do 25 de abril, visitou Cuba nesse ano e foi recebido com pompa e circunstância.
Depois o Presidente Mário Soares apelidou Fidel Castro de "dinossauro", e o primeiro-ministro António Guterres disse que preferia líderes democráticos cubanos a Fidel. Antes da visita de 1998 recebida "com prazer", quando "el comandante" descobriu que até gostava muito dos portugueses.
Ficou por saber-se se a sua opinião mudou quando em 2001 o presidente do CDS/PP, Paulo Portas (que em novembro passado fez uma visita oficial a Cuba como vice-primeiro-ministro, acompanhando 30 empresas portuguesas) disse no Parlamento que Fidel seria sempre "persona non grata" em Portugal, criticando que fosse acolhido em Portugal e até lhe dessem de jantar.
Ou quando o amigo Saramago, em abril de 2003 e na sequência de terem sido fuzilados três cubanos dissidentes que tinham sequestrado um barco, escreveu: "Cuba não ganhou nenhuma heroica batalha fuzilando esses três homens, mas perdeu a minha confiança, destruiu as minhas esperanças e defraudou as minhas expectativas".
Marcelo, um dos últimos
O Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, encontrou-se há precisamente um mês com o líder histórico cubano Fidel Castro, em Havana, onde afirmou que o líder da revolução cubana, que morreu esta sexta-feira, assinala "um certo tempo".
A 26 de outubro, Marcelo Rebelo de Sousa chegou à capital cubana para uma visita de Estado inédita de três dias àquele Estado, onde esteve reunido com o antigo Presidente e primeiro-ministro de Cuba, naquele que foi retratado pelo jornal oficial do Partido Comunista Cubano, Granma, como um "amistoso encontro".
Na fotografia do encontro, Fidel Castro aparece com o tradicional fato de treino azul escuro, sentado, sorridente, com Marcelo à sua frente, vestido com fato completo da mesma cor e gravata azul clara.
Durante a sua visita a Cuba, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que Fidel Castro assinala "um certo tempo", lembrando que os jovens da sua geração "acompanhavam à distância" a figura do líder cubano, "uns concordando muito, outros discordando muito".
Por sua vez, o líder histórico cubano agradeceu a Marcelo Rebelo de Sousa, a oposição de Portugal ao embargo económico a Cuba.
Fidel Castro tinha 90 anos e esteve no poder em Cuba durante quase meio século, entre 1959 e 2006, quando se afastou por motivos de saúde. Foram poucos as aparições públicas durante a última década, mas ainda assim foi sempre um anfitrião de Presidentes e de outras personalidades que visitam Cuba.
c/ Lusa