A fadista lusodescendente Angela Brito-Baldwin defendeu num fórum de discussão que as reticências da comunidade portuguesa em relação ao movimento pela justiça racial nos Estados Unidos se devem em parte à sua associação com uma área política.
A Associação San Pablo Holy Ghost, da qual faz parte, foi uma das apenas duas organizações portuguesas na Califórnia a tomar uma posição pública antirracista desde que começaram os protestos, em maio.
"Dissemos `Racismo não` e a quantidade de reações adversas que recebemos foi tão substancial que percebemos que isto tem de ser mais falado", afirmou a fadista, durante o terceiro fórum sobre o tema organizado pela Coligação Luso-americana da Califórnia (CPAC) e o Instituto Português Além-Fronteiras (PBBI).
"Dizer não ao racismo não devia ser tão controverso. Mas as pessoas estão a associar o Black Lives Matter com uma inclinação política específica e isso faz com que não queiram apoiar o movimento", explicou Brito-Baldwin.
Os oradores debateram a associação do movimento à esfera política da esquerda e o impacto dessa ligação numa comunidade que, na Califórnia, é predominantemente conservadora.
"Ultimamente assistimos ao vilipendiar do Black Lives Matter", notou a fadista. "É desanimador ver tanta gente que conhecemos a fazer estes comentários racialmente insensíveis".
De acordo com David Rocha, licenciado em ciência política, "há um mal-entendido" sobre o que o movimento significa e sobre a expressão "privilégio branco", que muitos luso-americanos rejeitam. "Tive o privilégio de viver uma vida em que não fui oprimido pela cor da minha pele", disse o lusodescendente no debate. "Black Lives Matter não significa mandar abaixo outras raças, mas elevar as pessoas negras", afirmou.
Vanessa Freitas, que estuda Direito, sublinhou que "não é suficiente" não ser abertamente racista. "Temos de ser antirracistas. Ajudar esta comunidade e sermos aliados, porque é isso que nos estão a pedir".
A cobertura mediática dos protestos tem incidido muito nos distúrbios e na destruição, o que, frisou o consultor político Victor Rocha, dá uma visão afunilada. "Há esta ideia de que o Black Lives Matter é violento, mas a estatística indica que 95% dos protestos que aconteceram foram pacíficos".
O lusodescendente sublinhou que "o racismo institucional é prevalente em todas as nações" e ainda mais nos Estados Unidos, onde está enraizado. "Isso ajuda a perpetuar os estereótipos negativos sobre pessoas de cor, em especial negros", disse.
"Essa é a razão pela qual temos o movimento Black Lives Matter. Eles estão a apontar para as questões que os impediram de progredir", frisou.
Em Turlock, uma localidade rural do vale central da Califórnia onde quase 8% da população é de origem portuguesa, uma vigília contra o racismo reuniu 500 pessoas. "Apareceram portugueses", disse Victor Rocha. "Há pessoas na comunidade que apoiam o movimento e querem ver mudanças".
Segundo Ashley Fagundes, conselheira na Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno, parte dessa mudança tem de começar com a consciencialização.
"Seria ignorante dizer que a nossa comunidade não tem uma dose de racismo. Todas as comunidades e culturas têm algum tipo de racismo, seja flagrante ou nos bastidores", considerou. "A questão é reconhecer. Não se pode solucionar um problema se não admitirmos que ele existe", concluiu.
Para os oradores, a comunidade portuguesa deve abrir-se mais ao contacto com outros grupos étnicos, o que ajudaria a entender experiências e pontos de vista diversos.
"Não convidar outras etnias para trabalharem connosco nas festas está a manter-nos no quarteirão português em que gostamos de ficar", disse Angela Brito-Baldwin. "Casamos com portugueses, temos festas com portugueses, conhecemos outros portugueses, criamos organizações só para podermos dar-nos com outros portugueses e não convidamos outros".
David Rocha disse que seria importante "abrir os círculos" da comunidade portuguesa. "Rodeamo-nos de pessoas que são parecidas connosco e por isso encontramos um espaço seguro onde podemos fazer piadas sobre os que são diferentes", afirmou.
A mudança poderá vir sobretudo dos jovens, que são mais inclusivos, defenderam alguns oradores.
"As pessoas estão em mais relações interraciais, têm filhos birraciais", afirmou Ashley Fagundes. "A diversidade está a acontecer de forma orgânica. A nossa geração está disposta a ir contra os estereótipos".