Carcaça de mamute comprova presença humana no Ártico há 45.000 anos

por Graça Andrade Ramos - RTP
Em 1999, o explorador siberiano Bernar Buigues foi fotografado ao lado das presas de um mamute de 23.000 anos, encontrado meses antes a 300 Km da cidade russa de Khatanga. STR/Reuters

Registos paleolíticos de seres humanos com mais de 40.000 anos são relativamente raros. Sobretudo no Ártico Euroasiático, onde, no máximo, chegam aos 30.000 a 35.000 AC. Agora, uma carcaça de mamute congelada prova que os humanos viveram e sobreviveram no Ártico 10 mil anos antes disso.

Encontrada no Ártico siberiano, a carcaça congelada apresenta sinais numerosos de ferimentos infligidos com armas, tanto pré como pós-mortem.

Os restos foram encontrados em 2012 por uma equipa de cientistas em Yenisey Bay. Sobressaíam dos sedimentos da tundra e, concluíram as análises, tinham cerca de 45.000 anos, algo que não é especialmente estranho.

Nos últimos 20 anos o degelo da camada de permafrost tem posto a descoberto os restos de centenas de animais, mamutes mas também rinocerontes-lanudos e até trigres de dentes-de-sabre, permitindo abrir todo um novo capítulo na história da evolução.

A carcaça de mamute foi encontrada em 2012 no norte da Sibéria. Na foto, um dos membros da equipa de cientistas que a analisou, Sergey Gorbunov. Foto: Pitulko et al. Revista Science

O mais significativo da descoberta de 2012, contudo, foram as marcas que a carcaça apresentava nos ossos, consistentes com ferimentos provocados por objetos.

As marcas, afirmam os pesquisadores, mostram indícios claros de terem sido infligidas por armas construídas e manuseadas por humanos. Apesar de não ter sido encontrada nenhuma prova humana associada à carcaça, são consistentes com marcas encontradas noutros ossos e que foram já atribuídas ao Homem.

A descoberta significa por isso que a ocupação humana do Ártico terá de ser datada 10.000 anos mais cedo do que se pensava. As conclusões foram publicadas na revista Science.
Um inimigo poderoso
A própria carcaça mantinha algum tecido preservado, incluindo restos da sua bossa de gordura e do seu pénis. Isto não só dá provas conclusivas do sexo do animal, mas indica também que estava no pico de forma e que tinha cerca de 15 anos - um inimigo formidável.

Detalhe de costelas com pedaços de utensílios incrustrados Foto: Pitulko et al. revista Science

O esqueleto apresenta marcas de ferimentos na mandíbula e na cabeça e os cientistas suspeitam que poderão ter sido causados por golpes infligidos na tromba e na cabeça, talvez para tentar atingir artérias e semelhantes aos usados ainda hoje por algumas tribos de recoletores-caçadores caçadoras de elefantes.

Outros ferimentos incluem golpes e marcas nas costelas e omoplatas, como se os caçadores estivessem a tentar atingir órgãos internos. Uma parece ter atingido a espinha, quebrando-a.
Um salto cultural
Neste período, a população de mamutes aumentava à medida que os lençóis de gelo recuavam e também os humanos que os seguiam se expandiam em número, explorando a sua crescente base de presas.

As provas agora recolhidas sugerem, afirmam os autores do estudo, que a migração dos humanos pelo Ártico se deveu em parte a desenvolvimentos na arte de caçar mamutes.

Há quem avance a hipótese de que isto implique que a expansão dos humanos para norte se tenha ficado a dever a mudanças culturais importantes naquele período.

Ajudará também a explicar como e quando é que os humanos começaram a viver perto da ligação terrestre do Estreito de Bering, que viriam a atravessar a caminho da América do Norte.

Os restos de um lobo caçado numa localidade totalmente diferente, numa idade semelhante, indicam igualmente que os seres humanos deverão ter-se espalhado pelo norte da Sibéria 10.000 anos antes do que se pensava até agora.
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