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A testar os limites do sistema

por Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP e da Antena 1
O sistema político norte-americano não é perfeito (já enfrentou grandes desafios), mas tem capacidade para reagir Carlos Barria - Reuters

A eleição de Donald Trump representa um enorme teste para o sistema político norte-americano e, sobretudo, para o Partido Republicano. É, aliás, provável que o novo presidente cause maior perturbação nos republicanos do que nos democratas, para quem Trump pode constituir uma oportunidade para gerar coesão num partido dilacerado pelas divisões expostas nas eleições primárias.

O Partido Republicano não é Donald Trump, apesar de haver uma clara maioria dos eleitores republicanos que se revê em Trump. No entanto, sobre os ombros dos republicanos pesam vários mandatos presidenciais, um sistema que ajudaram a definir e um histórico que não é propriamente compatível com aventureirismos. É evidente que as últimas décadas acentuaram o conservadorismo social e o liberalismo económico republicano: entre Eisenhower e Donald Trump, temos um percurso de figuras tão díspares como Nixon, Ford, Reagan, Bush I e Bush II. Nos últimos anos, o peso do minoritário Tea Party condicionou fortemente o partido. Porém, nem sequer entre os seus militantes eram frequentes declarações ameaçadoras aos países vizinhos ou atitudes abertamente xenófobas. Comparando o incomparável, o Tea Party será ideologicamente mais próximo dos católicos ultraconservadores no poder na Polónia do que da extrema-direita francesa.

Nunca é excessivo afirmar que os dois principais partidos norte-americanos não têm estruturas semelhantes às dos partidos europeus, sendo sobretudo coligações alargadas que variam ideologicamente em função dos estados e de interesses corporativos. Nesse sentido, e apesar de os republicanos terem demonstrado desde os anos 90 um maior pragmatismo e uma maior coesão quando comparados com os democratas, torna-se difícil prever que figuras moderadas como o senador John Mccain alinhem acriticamente com as derivas autoritárias do novo presidente. Por outro lado, os diferentes congressistas e senadores, eleitos uninominalmente, respondem perante eleitorados muito diferentes e não homogéneos. Um congressista republicano da Califórnia não tem a mesma agenda do que um congressista republicano do Mississípi.

O sistema político norte-americano não é perfeito (já enfrentou grandes desafios), mas tem capacidade para reagir. Não é comparável ao caos constitucional venezuelano ou sequer ao instável presidencialismo brasileiro. A forma como uma juíza federal contrariou uma ordem executiva de Trump por considerá-la, em parte, incompatível com a legalidade vigente demonstrou esta capacidade de reacção. Há válvulas de escape nos “freios e contrapesos” e a própria sociedade reage, como se viu pelo advogados e associações que se ofereceram para apoiar as vítimas da decisão de Trump acerca de refugiados e emigrantes.

Quer tudo isto dizer que podemos estar descansados? Claro que não. As mais recentes derivas autoritárias fundamentam-se na perversão de resultados obtidos nas urnas. Que o digam os cidadãos da Rússia, Venezuela, Nicarágua ou Turquia. Trump já demonstrou que pretende testar os limites do sistema, mas não é o único actor em jogo, as regras estão definidas e os norte-americanos sabem jogar com elas. Aguardemos.
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