FMI dividido na apreciação da austeridade aplicada em Portugal

por RTP com Lusa
Carlo Cottarelli, em divergência com Subir Lall Stephen Jaffe, Reuters

O responsável pela economia portuguesa no departamento europeu do FMI discorda do tom do relatório do Fundo sobre Portugal, considerando que este podia focar-se mais "no progresso notável" alcançado e que o resultado de muitas reformas "já é evidente".

O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou hoje o relatório com as conclusões da missão técnica liderada por Subir Lall que esteve em Portugal em março ao abrigo do artigo IV, um documento que foi apreciado pelo diretor executivo para Portugal do departamento europeu do FMI, Carlo Cottarelli, e pela sua assistente, Inês Lopes.

Numa apreciação de seis páginas, Cottarelli e Lopes discordam das conclusões da equipa liderada por Subir Lall, que chefia as missões do Fundo a Portugal desde setembro de 2013, quando o país ainda estava sob intervenção financeira externa.

Em relação às medidas aplicadas aos funcionários públicos, Cottarelli entende que "as reformas continuam a decorrer a um ritmo significativo, nomeadamente em áreas como a reorganização administrativa, a eficiência dos tribunais e a disciplina nos pagamentos".

O italiano afirma ainda que, no que se refere ao mercado de trabalho, o Governo permanece "completamente empenhado" em adotar reformas que promovam a criação de emprego, a melhoria das competências dos trabalhadores e o reforço da coesão social.

"Enquanto o resultado de muitas destas reformas já é evidente e efetivo, os benefícios de outras reformas -- e de novas reformas -- leva mais tempo para se materializar. Isto não deve ser considerado com um fracasso nem como insuficiente, mas um reflexo do intervalo de tempo esperado para a plena eficácia", defende Cottarelli.

Sublinhando que o relatório da equipa de Subir Lall "chama a atenção para os desafios que continuam por resolver", Carlo Cottarelli considera que o documento "podia ter-se focado mais nos progressos notáveis que Portugal alcançou em termos de consolidação orçamental, de ajustamento externo, de acesso ao mercado, de estabilidade financeira e de implementação de reformas estruturais".

Cottarelli defende mesmo que o documento "presta uma atenção relativamente limitada a estes resultados, focando-se sobretudo nos desequilíbrios que permanecem" e considera que as recomendações políticas apresentadas pela missão liderada por Subir Lall "teriam beneficiado de uma discussão mais profunda das reformas tomadas em 2013 e 2014, bem como dos desafios enfrentados na sua implementação".

O economista italiano considera que, por natureza, a redução dos desequilíbrios acumulados vai levar tempo e que "a redução gradual dos desequilíbrios (...) não deve ser tomada como um exemplo de ausência de ajustamento".

"Por isso, ficámos algo surpreendidos quando vimos que (...) o progresso no sentido da sustentabilidade orçamental é medido apenas olhando para o rácio da dívida pública sobre o Produto Interno Bruto (PIB)", lê-se nesta declaração de Cottarelli que acrescenta que "as melhorias notáveis em termos de equilíbrio orçamental, estrutural ou primário não são consideradas de todo".

Para o diretor do departamento europeu do FMI, a estratégia delineada no Programa de Estabilidade "demonstra que o Governo está empenhado em prosseguir políticas sólidas no médio prazo", para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas e para cumprir o Tratado Orçamental.Reformas ainda não produziram efeitos desejados

O FMI afirma que as reformas estruturais implementadas pelo Governo ainda não produziram os efeitos desejados e avisa que, com este progresso limitado, a economia portuguesa não deverá crescer mais do que 1,25% no médio prazo.

Numa análise a Portugal no âmbito do artigo IV divulgada hoje, o Fundo Monetário Internacional (FMI) critica que "muitas das reformas estruturais iniciadas desde 2011 ainda precisam de ser totalmente implementadas", uma vez que "ainda não produziram totalmente os resultados desejados".

Perante este "progresso limitado" das reformas estruturais, a instituição liderada por Christine Lagarde estima que o crescimento da economia portuguesa não ultrapasse os 1,25% no médio prazo, ficando 0,25 pontos percentuais abaixo do que é esperado para a zona euro.

Durante o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), o FMI previa que a implementação total das reformas estruturais resultasse num crescimento de 1,75% no médio prazo.

O Fundo afirma que Portugal "continua atrás dos seus pares e dos seus concorrentes comerciais" no que diz respeito a indicadores estruturais, que a recuperação está a ser impulsionada sobretudo pelo consumo, o que "enfraquece as perspetivas de crescimento no médio prazo".

Além disso, a entidade aponta que o endividamento excessivo e a incerteza de políticas têm funcionado como "um travão" ao investimento.

A instituição sedeada em Washington aponta que entre os objetivos previstos com as reformas estruturais estavam um equilíbrio das contas externas e das contas públicas, bem como uma redução do desemprego e do endividamento das famílias e das empresas, o que ainda não foi alcançado.

"Para absorver o elevado nível de desemprego, a economia precisa de aumentar o investimento, ao mesmo tempo que precisa de reforçar a competitividade para evitar a criação de um desequilíbrio externo", escreve o FMI.

Por outro lado, a instituição afirma que "Portugal está a beneficiar de ventos cíclicos favoráveis", mas alerta que se trata essencialmente de fatores externos, como a queda do preço do petróleo, o enfraquecimento do euro e o programa de compra de ativos iniciado pelo Banco Central Europeu (BCE), que "reduziu as taxas de juro soberanas para recordes mínimos e eliminou preocupações de financiamento".

Nesse sentido, o FMI defende que o Governo deve aproveitar este momento para "fortalecer a resiliência económica e aumentar o seu crescimento potencial", considerando que "as reformas estruturais nunca são fáceis, mas que o ambiente atual é o mais favorável para avançar".

O Fundo admite que a "inércia natural e que os interesses instalados vão continuar a tentar neutralizar as mudanças ao `status quo`", mas que a recuperação pós-crise "é um bom momento para forçar uma mudança", uma vez que, juntamente com custos de financiamento baixos, "pode mitigar os custos de uma transição".

O FMI reconhece os esforços feitos nos últimos anos pelo Governo e que as reformas tomadas durante o PAEF "demoram a produzir frutos", mas que sublinha que "ainda há muito a fazer".

A instituição confirma neste relatório as últimas previsões para a economia portuguesa, conhecidas em meados de abril, estimando que cresça 1,6% este ano, mas o abrande o ritmo de crescimento progressivamente, chegando aos 1,2% em 2020.

O denominado Artigo IV do FMI prevê que sejam feitas análises às economias dos membros do Fundo, geralmente todos os anos. A missão da equipa técnica do FMI esteve em Lisboa em março.

 

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