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Vai desaparecer um palco mítico dos anos 70/80 em Cascais

por Agência LUSA

Com a demolição do pavilhão do Grupo Dramático e Sportivo de Cascais, que começa sexta-feira, desaparece uma das míticas salas de concertos rock em Portugal.

Aquela que foi uma vocação acidental teve o seu auge nos anos 1970 e 1980, com os concertos de Génesis e Duran Duran.

"Em final dos anos 70, início dos anos 80, numa altura em que não havia o hábito de se realizarem concertos em Lisboa, aquele era o espaço de fuga com sabor a rock and roll que conhecíamos", contou à Lusa o jornalista Nuno Galopim.

Para várias gerações de melómanos, o pavilhão ficou conhecido simplesmente como "o Dramático", uma designação que remonta a 1915, quando a colectividade foi fundada, com o teatro no topo das actividades.

O pavilhão, concebido pelo arquitecto Henrique Albino, foi inaugurado nos anos 70 e nunca reuniu as condições ideais para a realização de concertos.

Como qualquer pavilhão destinado à prática desportiva, a acústica não era das melhores e mesmo as condições de segurança não seriam as mais recomendadas.

"Não era um espaço sofisticado, não tinha um som magnífico", recordou Nuno Galopim, mas "perante nada, aquele pouco sabia a tudo".

O nada a que o jornalista do Diário de Notícias se refere era um país sem "uma economia capaz de suportar uma agenda de concertos ao longo do ano", em que as portas do Coliseu e de outras salas lisboetas estavam fechadas para o Rock, um género musical que "não estava integrado nos hábitos de consumo" dos portugueses.

"Nessa altura, quando se falava em concertos sabia-se que se tinha de ir de comboio até Cascais, com toda a aventura que isso significava", explicou.

"Nós acampávamos na estação à espera do primeiro comboio da manhã, passávamos a noite fora de casa", contou.

Nuno Galopim destaca o concerto de Génesis, em 1975, e "a loucura Duran Duran", em 1982.

Duran Duran é o nome que também vem imediatamente à memória do jornalista do Blitz, António Pires, que nessa corrente neo-romântica acrescenta ainda o concerto de Classix Nouveau.

O redactor do semanário musical português lembra-se ainda de um invulgarmente longo concerto de Lou Reed.

É que o ex-vocalista dos Velvet Undergroud, que tinha datas marcada para o Porto e Cascais, encontrou a Invicta em noite de São João, "apanhou uma bebedeira monstruosa" e não foi capaz de actuar.

"Para compensar, deu um concerto de três horas no Dramático", recordou António Pires.

Inesquecível foi também Leonard Cohen, que em meados dos anos 80 deu no Dramático "um concerto lindo".

"Tinha uma banda um bocadinho manhosa, mas as canções eram como sempre magníficas e ele deu um concerto genial", recordou António Pires.

O Dramático acolheu entre 1971 e 1980, o Cascais Jazz, pioneiro dos festivais de Jazz portugueses.

Miles Davis, Sarah Vaughan, B.B.King, Orquestra de Gil Evans, Charles Mingus, Betty Carter, Sonny Rollins, Muddy Waters, Art Blakey e os Jazz Messengers, Dexter Gordon, Albert King, Milt Jackson, Sonny Stitt ou Sam Rivers, foram algumas das estrelas que actuaram no pavilhão no âmbito do festival, que hoje se designa Estoril Jazz.

Já nos anos 90, António Pires lembra-se de um "calamitoso" concerto de Bob Dylan, em que o veterano se apresentou com "bastantes problemas de voz".

A década de 90 marca, aliás, o início da decadência do Dramático, com o pavilhão a ser escolhido para concertos "mais pesados", de bandas como Pantera ou Sepultura.

"No final, o Dramático tornou-se um espaço para a música mais pesada, talvez por não exigir uma sofisticação acústica tão grande como outros artistas que se mudaram para o Coliseu ou a Aula Magna", disse Nuno Galopim.

Mas ainda nessa década o Dramático fez "História", ao receber um dos últimos concertos de Nirvana, a 06 de Fevereiro de 1994, cerca de dois meses antes do suicídio do vocalista, Kurt Cobain.

Segundo Nuno Galopim, foi "uma das raras ocasiões em que a geração de 90 contactou com um lugar das gerações de 70 e 80".

Conforme a idade ou a memória musical e afectiva, outros recordarão o Dramático como o sítio onde viram actuar Ramones, Clash, Tubes, Cheap Trick, Iron Maiden, Judas Priest, Stranglers, Elvis Costello, Loyd Cole, ou os portugueses Rui Veloso, GNR, UHF ou Rádio Macau.

O pavilhão da Avenida da República começa a ser demolido sexta- feira, num processo que deverá estar concluído no início de Outubro, de acordo com a Câmara Municipal de Cascais.

A autarquia liderada pelo social-democrata António Capucho inaugura no dia 17 de Setembro o novo pavilhão Guilherme Pinto Basto, situado na Torre, e já está em fase final de elaboração o projecto do futuro Centro de Artes de Cascais, a instalar na área ocupada pelo Dramático.

Os jornalistas ouvidos pela Lusa encaram a demolição do pavilhão como parte de um processo natural.

"Choca-me mais o estado do Odion ou o Condes transformado numa hamburgueria, porque isso é a perversão de espaços culturais, ao passo que a vocação cultural do Dramático foi acidental, por falta de outro espaço disponível", sustentou Nuno Galopim.

Uma posição partilhada por António Pires, que lamenta o desaparecimento de espaços como o Rock Rendez Vous ou o Johnny Guitar.

Para Nuno Galopim, o Dramático "teve o seu tempo e está na memória de quem o viveu".

"É um sinal dos tempos", o fim do Dramático era "uma inevitabilidade", rematou António Pires.

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